quinta-feira, 15 de março de 2012

Boa noite Senhores! Este é um espetáculo de hip hop!


Com essa frase (extraída do texto do espetáculo), começo a dar corpo as imagens, reflexões e sensações despertadas pela Companhia Híbrida de Dança em seu trabalho “estéreos tipos” -vencedor do prêmio FADA e Klaus Viana da Secretaria Municipal de Cultura.
Em sua proposta artística o espetáculo foi capaz de tocar em muitas questões e despertar pensamentos na proposição de um fazer artístico. Não sei se o coreógrafo pensa e se angustia com todas as reflexões que me vieram durante o espetáculo, ou se  minhas indagações sobre o fazer artístico contemporâneo tem origem só em minhas inquietações. Com intenção ou não, seu trabalho me alcançou e me fez perceber uma nova forma de se construir artisticamente.
A primeira cena produz um estranhamento: um bailarino sentado em uma cadeira sob uma luz, faz movimentos lentos e pausados em silêncio, que podem remeter ao universo da cultura hip hop. A repetição se prolonga e o andamento começa a variar com um acréscimo de acentos na movimentação. Uma bailarina entra em cena e sua ação se resume a chupar um pirulito. As duas ações se desenrolam simultaneamente e se transformam numa deformação de movimentos e intenções. A cena provoca um deslocamento e uma apreensão pelo que virá.
No decorrer das cenas, surgem mais bailarinos que dançam, fazem um trabalho intenso de chão, acrobacias, tudo pertencente ao universo do hip hop. O texto presente no espetáculo, fala desta cultura, das suas características, preconceitos, e dos próprios bailarinos (suas vidas, e suas razões para aderirem a este estilo). O texto vai se mesclando, misturando frases, palavras, situações, construindo novos sentidos e novas relações (simbólicas ou não) que diverte o público.
O hip hop é um estilo de dança com características próprias. Nascida nas ruas, possui uma urbanidade que traz elementos da cultura pop. Possui uma movimentação forte, enérgica e uma postura desafiadora que vem das batalhas de rua. Por muito tempo descriminada e entendida como marginal, o estilo se desenvolveu, ganhou os palcos e os festivais de dança. Como uma dança que já tem uma história, um percurso e um estilo pode se reinventar? Como se desenvolver sem perder a sua essência?
Renato Cruz constrói um trabalho que dialoga com a dança contemporânea. Utilizando músicas variadas, trabalha na sua construção uma desconstrução de ritmo, forma e intenção. Pausa para nos fazer respirar ou nos fazer pensar sobre o que vemos. Caminha para um processo de hibridação, somando elementos da dança contemporânea, mas ainda é um espetáculo de hip hop.
O primeiro questionamento que me surgiu é quanto a esta reinvenção. É importante para o artista perceber as mudanças que acontecem na sociedade e responder a essas mudanças, sem cair no modismo? Qual a função da arte e do artista? É necessário evoluir nos questionamentos, aprofundá-los ou repeti-los? É preciso dosar as questões para se tornar legível e digerível? São questões para as quais não encontro respostas.
O caminho da arte e da criação é único para cada artista e compartilho a teoria de Jung (Psicologia Analítica) de participação – imposição, sugestão – do inconsciente neste processo; então entendo que as solicitações, angústias e questionamentos são diferentes e podem ser atemporais. O alcance do Inconsciente coletivo através dos arquétipos, podem provocar confluências de pensamento e ação na evolução da humanidade e do produção de conhecimento, neste caso não sendo modismo ou cópia.
As questões pessoais abordadas no texto do espetáculo, aproximam a obra do público, pois retira a aura de divinização do artista apresentando suas inquietações, dificuldades e dúvidas, característica da arte pós moderna, da crise do homem moderno e de sua subjetividade.
A cena final transborda esta questão: o texto descreve o estereótipo da pessoa que pertence a cultura do hip hop; o tipo de cabelo, o jeito de se vestir, a forma de andar e gesticular. O espetáculo, no entanto, vai além do modelo e padrão, quando os bailarinos desmontam o que os qualifica como grupo para deixar surgir os indivíduos, tirando a roupagem que caracteriza o estilo.
No final, no palco, ficam os figurinos com sua representatividade e os bailarinos com sua humanidade.
Boa noite, Senhores! Este foi também um espetáculo de hip hop!


Próximas apresentações: Arena Carioca Jovelina Pérola Negra, dias 17 à 25 de março, (sábados 20:00 e domingos 19:00); Centro de Artes da Maré, dia 30 de março às 20:00, Lona Cultural Hebert Vianna, dia 31 de março às 18:00. Em cada espaço, será ministrada uma oficina gratuita de dança, todos os sábados às 16h. Para saber mais clique aqui


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