“Parei e senti frio, senti que a
morte havia chegado. Não tinha medo e pensei que me deitaria; mais
tarde, seria apanhado e levado até minha mulher. Chorei em minha
alma e me senti profundamente triste. Não sabia o que fazer e nem
para onde ir [...]” (Nijinsky, 1985)
Quando a morte surge em sonhos a noite ou imagem durante o dia, fico com uma sensação de tristeza me acompanhando. Sempre penso no desmanchar, no decompor, no enfrentamento de algo inevitável de que tenho uma sensação, e conheço sua ação no corpo físico, que perde sua energia vital.
Quando vivo minha morte em sonhos, ela vem sempre acompanhada do mar e de suas águas que me inundam. As ondas, enormes vagas como um tsunami, me encontram e me invadem independente do lugar onde eu esteja. No sonho, não existe segurança em lugar algum, estou completamente indefesa e "sem alternativa" como a mulher do meu último sonho.
Nijinsky também viveu a sensação desta morte, pesarosa, triste e inevitável; mas sua morte aconteceu paralela a sua vida biológica, com a extinção de sua vida consciente e artística.
“Tudo está vazio ao meu redor. Eu
me esvaziei.” (Nijinsky, 1998)
Fonte:
NIJINSKY, V. O Diário de Nijinsky. Rio de Janeiro: Rocco, 1985. NIJINSKY, V. Cadernos: o Sentimento. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1998.
Fonte das Imagens: http://www.ibahia.com/a/blogs/memoriasdabahia/2013/02/14/o-tsunami-de-itaparica-nas-proximidades-de-aratuba/ http://www.desktopwallpaper2.com/geneva-tsunami-cloud-picture-wallppaer-1440x900.html
Ainda no embalo do centenário desta importante obra coreográfica, compartilho um pequeno trecho da coreografia e um artigo publicado em comemoração a data. A "Sagração da Primavera" que existe hoje sendo reapresentada em vários Teatros e Companhias pelo mundo afora, é fruto do trabalho arqueológico de dois pesquisadores Millicent Hodson e Kenneth Archer. A remontagem baseada em fotos, arquivos e depoimentos, teve estreia em 1987 e além da coreografia, gerou outros desdobramentos como livros, artigos, palestras e documentários.
A dupla de pesquisadores mantém um site de divulgação de seus trabalhos de reconstrução.
http://www.hodsonarcher.com/Hodson_Archer_-_Ballets_Old_%26_New/home.html
Artigo
Paris, 29 de maio de 1913:
numa noite de primavera, nasce o modernismo
Passados cem anos de sua estreia, A Sagração da
Primavera, balé de Igor Stravinski com coreografia de Vaslav
Nijinski, permanece uma peça excitante e selvagem
O modernismo nasceu na noite de quinta-feira, 29 de maio
de 1913, no Théâtre des Champs-Élysées de Paris. Foi na estreia
do balé A Sagração da Primavera/Le Sacre du Printemps, de Igor
Stravinski, criado pelos Ballets Russes de Diaghilev, com coreografia
de Vaslav Nijinski, orquestra sob a regência de Pierre Monteux e os
figurinos notáveis de Nicolas Roerich. As inovações de Stravinski
e Nijinski, que faziam do ritmo o elemento principal da obra,
provocaram uma confusão colossal. Os detratores do Sacre, o chamaram
“Le massacre du printemps.” Stravinski contou : “Deixei a sala
nos primeiros compassos do prelúdio, que provocaram risos e
galhofas. Fiquei revoltado. Estas manifestações, de início
isoladas, cresceram e provocaram contramanifestações, transformando
o teatro numa algazarra medonha.” Stravinski foi para os
bastidores, onde Nijinski, trepado numa cadeira e com as caudas do
fraque seguradas por Stravinski, berrava as contagens em russo para
os bailarinos desorientados, tarefa complicada, porque os números
russos acima de dez são polissilábicos, como 17 (semnadsat) e 18
(vosemnadsat). Enquanto isso, Diaghilev mandava acender e apagar
alternadamente as luzes do teatro, na tentativa de acalmar o público,
mas só conseguia deixá-lo ainda mais excitado. Como definiu o
crítico Thomas Kelly: “Os pagãos no palco fizeram pagãos da
plateia.”
No fundo, tudo se encaixava na proposta básica da obra,
o que justificou um pequeno jantar comemorativo, apesar do susto, num
restaurante do Bois de Boulogne, depois da apresentação. Stravinski
teria recebido a ideia em 1910 num sonho, a visão de um ritual pagão
da Rússia pré-cristã em que uma jovem dança até morrer: “...
surgiu a imagem de um ritual sagrado pagão: os sábios anciãos
estão sentados em um círculo e observamos a dança antes da morte
da menina que eles oferecem como um sacrifício ao deus da
Primavera.”
Choque
Ao transpor fielmente para a dança a música “bárbara”
e fragmentada de Stravinski, Nijinski aboliu totalmente a beleza do
balé, aqueles passos etéreos com voos líricos pousando suavemente
como pássaros. Os dançarinos martelavam com os pés a madeira do
palco, iguais a cossacos ensandecidos e raivosos. Foi esse o maior
choque da Sagração. No dia seguinte à estreia, Adolphe Boschot, em
L’Écho de Paris, escreveu ironicamente sobre “os gorros pontudos
e os roupões de banho” que compunham os ridículos e incômodos
costumes dos bailarinos, “que repetiam cem vezes seguidas o mesmo
gesto: derrapam sem sair do lugar, derrapam, derrapam, derrapam.
Quic! Dividem-se em dois bandos e se saúdam. Derrapam, derrapam,
derrapam. Quic! Então, uma pose toda contorcida... e um torcicolo
unânime!”
A Sagração desagradou aos velhos mestres, como
Saint-Säens e Puccini (que viu e execrou), mas maravilharam novos
compositores, como Debussy e Ravel, e também vanguardistas, como
Schoenberg. Debussy disse: “É música selvagem com o conforto
moderno. Como ficará a música francesa depois do Sacre?”
Stravinski compôs primeiro uma versão a quatro mãos para piano
antes de terminar a partitura orquestral. A primeira execução, para
um pequeno grupo de pessoas, foi na casa do crítico Pierre Laloy, em
seu piano Pleyel, com Debussy sentado à esquerda e Stravinski à
direita. O crítico relatou: “Quando terminaram, ficamos todos
mudos, abatidos como depois de um furacão vindo do fundo dos tempos
que arranca nossas vidas pelas raízes.” Um crítico recente
definiu essa primeira versão: “É como se a Sagração fosse
inteiramente submetida a um exame de raios-X! A radiografia de sua
ossatura rítmica, de sua musculatura harmônica, permite apreciar
ainda melhor, como num ‘negativo’, a eficácia da orquestração
stravinsquiana – os entrelaçamentos dos timbres raros (clarineta,
flautim, flauta contralto), a surpresa de jogos insólitos (as
trompas com a campana para o alto). Essa versão em preto-e-branco é
melhor do que uma lição de anatomia sinfônica: exercícios
práticos de álgebra e alquimia musicais.”
A Sagração cumpriu seu calendário de cinco
apresentações em Paris – menos ruidosas do que a estreia – e
três espetáculos em Londres. No ano seguinte, a Primeira Guerra
deixaria em segundo plano as atividades artísticas. Em 1920, o balé
voltaria aos palcos em nova versão, coreografada por Leonid Massine.
Personagens
A epopeia da Sagração girou em torno de três
personagens principais: Igor Stravinski, 31 anos, o aristocrata russo
autor do rolo compressor sonoro que animou o balé; Serguei
Diaghilev, 41 anos, também russo de origem nobre, empresário
imaginativo e manipulador, que criou um dos grupos de balé mais
famosos da história; e Vaslav Nijinski, 23 anos, filho de artistas
circenses poloneses, que se tornaria o grande mito da dança no
início do século 20. Nijinski estreou como coreógrafo com o balé
Jeux, de Debussy, duas semanas antes da Sagração. Diaghilev e
Nijinski eram amantes, mas sua relação àquela altura já chegava
ao fim. O bailarino se casaria com Romola de Pulszky, 22 anos, uma
húngara rica que acompanhava desde 1912 cada espetáculo de
Nijinski, onde quer que fosse. Os Ballets Russes excursionavam pela
América do Sul de navio e foi a bordo que obstinada fã assediou
Nijinski sem trégua. Casaram-se em Buenos Aires, o que provocou a
ruptura final entre o bailarino e Diaghilev.
Existe ainda a figura heróica de Gabriel Astruc, 49
anos, empresário teatral que foi agente de Mata Hari, Arthur
Rubinstein e Enrico Caruso e construiu em 1913 uma revolucionária
sala de espetáculos, no nascente estilo art déco: o Théatre des
Champs-Élysées, com capacidade para 1.905 pessoas e totalmente
lotado naquela noite de 29 de maio.
Legado
Em 1940, quando planejou Fantasia – uma viagem pela
história da humanidade em desenho animado e música – Walt Disney
ouviu falar do Sacre. “The Sock?” – entendeu mal – “A
Meia?” Ouviu então a peça de Stravinski e ficou maravilhado: “É
justamente o que eu quero para a criação do mundo, um cenário
perfeito para vulcões, terremotos e animais pré-históricos em
guerra, dinossauros e lagartos voadores.” O cenário de danças
eróticas e sacrifícios de virgens não era bem o que Disney tinha
em mente para as famílias e criancinhas da América.
Mas a Sagração resistiu a qualquer tentativa de
“domesticação.” Passados cem anos da sua estreia, permanece uma
peça excitante e selvagem, mexendo não só com a sensibilidade
musical do ouvinte, mas com suas emoções.
No livro Os Primeiros Modernos – As Origens do
Pensamento do Século 20 (1997), o historiador William R. Everdell
fala daquele Annus Mirabilis capitaneado pela Sagração:
“Enquanto a política permanecia nas sombras em 1913, a cultura do
século 20 fez mais que simplesmente avizinhar-se. Ela explodiu.
Observando de uma posição favorável, próxima ao fim do nosso
século, o ano parece um Vesúvio cultural cujo efeito
irrevogavelmente enterra os anos 1800 e cuja erupção ilumina agora
mais de oitenta anos do pensamento ocidental.”
No texto é dito que Nijinsky estreia como coreógrafo
com Jeux, o que é uma afirmativa falsa. A primeira obra coreográfica
de Nijinsky é “L'aprés midi d'un Faune” que estreou também em
Paris, também sob críticas artísticas e morais em 1912, um ano
antes de “Jeux” e da “Sagração da Primavera”.
Há exatos 100 anos estreava em Paris no Théâtre des Champs - Élysées, A Sagração da Primavera, balé com música de
Igor Stravinsky e coreografia de Vaslav Nijinsky. A obra, música e dança causou furor, e vaias numa platéia que sentiu-se agredida por movimentos incompreensíveis para aquele momento.
"Transformar o balé, a mais efervescente e fluida das formas de arte, em caricatura grotesca era insultar o bom gosto e a integridade do público. Tal era a atitude da oposição. Sentia-se ofendida. Zombava. O aplauso era a resposta dos defensores. E , assim travou-se a batalha," (EIKSTEINS, 1991, p. 28)
Da coreografia original restaram apenas
rastros de desenhos, partituras, textos e algumas fotografias que serviram de base a reconstrução arqueológica realizada por Milicent Hodson e Kenneth Archer. Além da coreografia original, existem mais de duzentas criações de coreógrafos diferentes e em diferentes tempos.
Millicent Hodson arrumando bailarinas da Sagração
Fontes: EKSTEINS, Modris. A Sagração da Primavera. Rio de Janeiro: Rocco,1992. http://www.hodsonarcher.com/Hodson_Archer_-_Ballets_Old_%26_New/home.html
"Ouve-me, ouve o
meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra
coisa de que na verdade não falo porque eu mesma não posso."
Eu
entro em uma empresa grande passando de carro por uma guarita com
seguranças (alguém guia o carro, mas não vejo quem é). Tem muitas
pessoas neste lugar, são todos homens e parecem que são engenheiros.
Subo
por uma parte externa do prédio principal e chego a uma pedreira onde
vejo muitas pedras grandes com um líquido escuro que escorre entre
elas, ao redor existe uma floresta verde e densa.
É
uma cachoeira, mas me dizem que aquele líquido é esgoto, chorume, não
sinto cheiro ruim, apenas vejo o líquido escuro e grosso. Me surpreendo
de tudo aquilo ser esgoto e me questiono de onde vem, já que estamos em
uma área de floresta.
Chamo
por alguém da floresta, não sei que nome pronuncio, mas fico feliz
quando percebo que meu chamado foi ouvido. Aparece um fauno! Ele é todo
branco (não sei se albino) e corre muito rapidamente pelas pedras
passando pelo esgoto, é muito hábil. Grito para ele vir devagar pois ele
pode escorregar e cair. Fico feliz com sua presença e ele também parece
feliz.
Um homem ao meu lado diz que todos ali são corretos e éticos, que não existe falsidade ou corrupção naquele lugar.
Entro
no prédio principal e estou próxima a uma mulher (a única ali fora eu).
Ela está sendo perseguida, corre subindo as escadas do prédio e entra
em uma sala, eu estou lá com ela.
É
um laboratório com muitas portas por onde entram muitos perseguidores.
Eles são bípedes, mas não são humanos, vestem um tipo de fraque preto e
acho que eles são pretos com bicos.
A
mulher sem alternativa de fuga passa para um lugar no meio da sala que é
todo cercado por grades. Ela se espreme para passar pelas grades e
sem ter saída ou escapatória resolve entrar em um tanque que tem um
líquido verde viscoso.
Grito
para ela não entrar lá, pois é o lugar onde eles dissolvem os ossos das
piranhas que eles pegam no liquido da pedreira. Ela me olha com muito
pesar e diz que não tem alternativa. Vejo-a sumir no líquido verde e
penso nela se dissolvendo .... morrendo .... "sem alternativa" .
Uma
palavra surge, 'entrega' e enquanto eu fico ali triste e desolada com o
acontecimento, os perseguidores vão embora, e eles também estão
desolados porque não puderam cumprir com sua missão.
Fonte das imagens: http://osegundoregistro.blogspot.com.br/2011_07_01_archive.html data de acesso: 26 de Maio de 2013 http://www.tumblr.com/tagged/shadows%20on%20parade?language=pt_BR Data de acesso: 26 de maio de 2013
Para Nietzsche a dança é o que permite que o fardo dos pesados valores da metafísica saiam das costas transformadas em corcovas de camelo. Dançar é criar novos valores onde a vida já não é um peso a ser carregado, mas a abertura de novas possibilidades de existência. Potência de metamorfose.
Dedico essa postagem a duas pessoas especiais, Lili e Raul, donos das vozes que me acordaram com essa canção tão especial, que tem ainda embalado meus dias.
[...] É preciso amor P'ra poder pulsar É preciso paz p'ra poder
sorrir É preciso a chuva para florir Penso que cumprir a vida Seja simplesmente Compreender a
marcha E ir tocando em frente Como um velho boiadeiro Levando a boiada Eu vou tocando os
dias Pela longa estrada, eu vou Estrada eu sou [...] Cada um de nós compõe a sua história Cada ser em si Carrega
o dom de ser capaz E ser feliz [...] (Tocando em Frente - Almir Sater)
Durante o Simpósio fui acordada com essa música cantada e tocada no violão, foi delicado e mágico!
Além de ser uma belíssima composição, algumas palavras ficaram ressoando e reverberando sentidos que, para mim naquele momento e ainda hoje, remetem ao processo de individuação.
O processo de individuação é a realização do homem em tornar-se o que é seu objetivo, sua natureza. Ao contrário da música, não é apenas seguir em frente; mas seguir em frente, apesar do que possa surgir como imagem, inquietação, projeção e intuição.
" 'Tornar-se o que se é' não significa tornar-se plano, harmônico, polido, mas sim aceitar cada vez mais em si o que se é: o homogêneo na própria personalidade juntamente com 'as quinas e cantos' ". (KAST, 1997)
Fonte: KAST, V. A Dinâmica dos Símbolos: fundamentos da psicoterapia junguiana. São Paulo: Loyola, 1997.
Há dias em que não tenho vontade de falar, só de ficar quieta, procurando imagens que me confortem e que me tragam alento. Não sei se é energia demais, movimento demais do inconsciente, ou apenas a intuição de algo que não entendo. Nesse estado me deparei com as imagens de um fotógrafo que falam profundamente ao meu sentimento.
Alex Stoddard é um jovem fotógrafo norte americano que desenvolve o seu trabalho artístico na relação da forma humana com o mundo natural que o rodeia; disso resultam obras bastante conceituais e
poéticas.
Algo de simbólico ou mitológico parece ressoar em suas imagens.
“Viver de arte é resistência, mas é o que me faz feliz [...]”
(Nêgo, apud Moura, 2013)
É curioso pensar na vida consciente e inconsciente...
Quantos passos, pessoas, sons, e amores vão atravessando o nosso
caminho... Alguns ficam para sempre, outros na superficialidade da
pele, e outros ainda, vão para a profundidade da memória. Mas
reencontros acontecem, e um simples gesto ou uma imagem podem
deflagrar todo um universo de lembranças e emoções. O que nos
marca, marca para sempre, independente do tamanho da cicatriz. Foi
isso o que aconteceu hoje ao me deparar com uma matéria sobre,
Geraldo Simplício, ou Nêgo como é conhecido.
Artista cearense radicado em Nova Friburgo, região serrana do Rio de
Janeiro, Nêgo faz esculturas no barro e pedra, e deixa que a
natureza o ajude na criação, cobrindo seus movimentos com musgo,
que Nêgo vai podando numa atitude de cumplicidade com a vida e a
arte.
Intuitivo, Nêgo usa um tapa-olho na testa, para proteger o 6o
chakra, que se relaciona a intuição e a percepção sutil. Foi com
essa intuição que chegou ao tipo de arte que produz hoje. Em sua história original já havia trabalhado com barro, mas foi com a madeira que se estabeleceu como artista. “[...]
Eu fazia esculturas de madeira, e esse tipo de trabalho começou por
acaso. Deixei uma dessas obras ao ar livre e protegi com plástico.
Depois de um tempo, vi que havia musgo em tudo. Nunca mais parei
[...]”(Moura, 2013)
As esculturas estão em permanente transformação. Construídas nos
barrancos de sua propriedade seguem o ritmo e os acontecimentos da
natureza. Foi o que aconteceu com as chuvas de 2011 que atingiram Nova
Friburgo e sua propriedade, destruindo e danificando algumas obras.
Nêgo pacientemente reelaborou o que foi desfeito e reconstruiu.
Estive em sua propriedade em 2005 e enquanto visitava o jardim e suas
construções fui escutando suas histórias e impressões. Ainda não
entendia certas questões do fazer do artista e sua relação com o
inconsciente; mas foi dele que escutei pela primeira vez uma afirmativa
que ouvi depois em outros lugares e situações. Disse ele: “[…]
nas profundas águas do lago, o louco e o artista mergulham; no
entanto só o artista consegue nadar sem se perder, e depois de
explorar a profundidade das águas escuras consegue emergir e
respirar. O louco não consegue encontrar o caminho de volta.”
(Nêgo, comunicação pessoal, 2005)
Me encantei com suas palavras, mesmo sem entendê-las em
profundidade, lembrei de Nijinski de seu processo de loucura e
naquele momento, me perguntei se ele havia perdido o caminho num
mergulho assim.
Fontes
Bibliográficas:
MOURA,
A. Revista O Globo Caderno Serra, 12/05/13.
" O que o homem tem a dizer aqui, especialmente a noite, quando o oceano está sózinho com o céu estrelado? Ele apenas observa, em silêncio, capitulando a toda presunção, e muitas frases e imagens de outros tempos passam-lhe pela mente; uma voz baixa diz algo sobre a antiguidade e a infinitude do 'mar murmurante e ondulante', das 'ondas do mar e do amor', de Leucoteia a encatadora deusa que surge da espuma das ondas tempestuosas diante de Ulisses, o cansado viajante, e lhe entrega o véu perolado que o salva da fúria de Possêidon. O mar é como música; tem todos os sonhos da alma dentro de si e os expressa em sons. A beleza e a grandiosidade do mar nos obrigam a descer às férteis profundezas de nossa psique, onde nos confrontamos e nos recriamos."
Jung
Fonte da citação:
JUNG, C.G. Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
Eu
chego com o Cláudio e entro em uma das casas do meu terreno, no sonho
existem muitas árvores e plantas no quintal. Entramos pela porta da
frente e encontramos a casa vazia. Estamos procurando por alguém, eu não
sei quem, quando de repente o Cláudio me diz que os pais dele estão
mortos no quintal.
Vamos
até lá, está escuro e eu não consigo vê-los direito. O Cláudio diz que
quase não restou nada dos seus corpos, e eu penso há quanto tempo eles
estão mortos para não haver mais nada.
Saio
deste lugar e quando volto, já é dia e o que vejo deles parecem os
monumentos de pedra do Chile, arrumados como para um ritual. Passo
muitas vezes por esse local e percebo que acontece uma transformação.
Vejo duas silhuetas de corpos abraçados, mas ainda existe resto de
músculo, unha e um tecido transparente que escorre pelos dedos das mãos. Lembrei do esqueleto de um casal abraçado encontrado em um sítio arqueológico na Itália em 2007, datado do período neolítico (aproximadamente 5.000 anos atrás).
Já fiz uma postagem sobre a animação "O Castelo Animado" de Hayo Miyazaki, mas ainda me sinto movida por uma frase dita ao final do filme.
" O coração é um fardo pesado!"
Lembro que durante a exibição esta frase me tocou, me emocionou e continuou ressoando. A animação é uma composição delicada sobre a existência humana,suas fragilidades, e a transformação dessa realidade em pura imaginação reconstruida de forma lúdica.
O coração simbolicamente é a sede das emoções, das virtudes e da humanidade. Viver e ser fiel as suas necessidades, não é tarefa fácil, e sim árdua.
Criação coreográfica que se originou
na história do processo de cisão vivido por Nijinsky, e se
materializou a partir do estudo da Psicologia Analítica de Jung e da
compreensão das dimensões inconscientes que se manifestam no
indivíduo esquizofrênico.
Um novo universo de criação surgiu a partir do encontro com Jung, um caminho sem volta que me leva a paisagens nem sempre confortáveis e cômodas. Desse encontro, surgiram necessidades e riscos, que foram se impondo.
No processo de criação de Skizo, experimentei sonhos, pesadelos que beiravam a materialização, a imobilidade angustiante da catatonia, os movimentos que foram surgindo e guiando meu corpo no espaço; uma construção cênica que insinuou-se em fios, muitos fios......
Só na finalização do trabalho pude compreender o significado da cortina de fios e como me alterava passar de um lado para o outro. A fronteira que separa a sanidade da loucura; o consciente do inconsciente é um tênue fio, como os fios da cortina, e essa transposição é mais comum do que imaginada.
Experimentar a força do inconsciente é ao mesmo tempo sedutora e desoladora. Quando a coreografia chega a seu fim, sinto como se tivesse passado por uma batalha, sem a sensação de vitória ou derrota, apenas com uma calmaria, um vazio profundamente triste.
Apresentação realizada na UNICAMP em 2005 e fotografada por Stefan Patay.
A imaginação pode nos levar para novos mundos, onde construimos nossa realidade desejada, sem falsidade e ilusão; mas com a concretização de possibilidades de vida repletas de emoção.
Fonte da Imagem: http://highlike.org Chema Madoz Acesso: 02 de Maio de 2013.