sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Atualização do Processo de Senha

 Atualizações de muitos ensaios

14 de outubro
 


 Abri o caderno de Fábio a esmo, e sem ler nada pensei: não posso abri-lo de qualquer jeito, é o Fábio. Começei a pensar desde quando conheço Fábio. Faz tempo! [...]
Lendo os escritos de Fábio, duas coisas me chamaram a atenção: a letra dele, extremamente bonita; e vários dias onde ele identifica a data começando com Rio 40°. Me lembra toda luminosidade e verão que tanto gosto. [...]

Fábio fez três disciplinas comigo [...]
"Boa prova, usou uma movimentação própria. Deformação de pequenas partes em contatos diferentes dos membros superiores. Em alguns momentos explorou a deformação a partir das linhas geométricas. A sequência ficou bonita e interessante".

18 de outubro

Levei a concha para André e Aluísio ouvirem o som do mar. É muito bom fechar os olhos e escutar um misto de silêncio e eco, um misto que lembra as ondas em alto mar. Sempre imaginei assim. [...]
Um vento entrou na sala no momento em que fazíamos a sequência, batendo portas e janelas...
Uma bola avançou sobre nós no meio da sala, desviamos dela que atravessou a sala e parou no canto.
Presença!

25 de outubro

A segunda proposta de André era de que eu cantasse uma música da minha infância de frente para o ventilador ligado. O pedido de André já formou um bolo em minha garganta, não sabia se conseguiria executar a tarefa. Antes de começar, avisei que achava que iria chorar, eu tinha certeza disso.
André filmou a minha tentativa de canto e o transbordamento de lágrimas e emoções.



O vídeo pode ser visto no blog Senha de Acesso
Ainda com as impressões e lembranças deste ensaio, escrevi o seguinte texto, sem título:

Silêncio,
tarde ensolarada, quente e clara.
No som, uma voz fala de um lugar distante
areia, mar e o sol....
Tento resgatar o mar
na concha que colo à minha orelha.
Escuto o mar, som forte,
eco de muitas águas, águas profundas,
de alto mar.
Imagino-as escuras e misteriosas.
Um navio cruza o horizonte,
lento e silencioso.
Parece estar em outro tempo, outro mundo.
Olho a tarde novamente, tarde amarelada,
lembra o amarelado do tempo,
cotidiano distante.
Doce lembrança, com sabor de pipa no ar,
biscoito de bichinho, cheiro de padaria,
afeto carregado de carinho, cafuné num colo com saia.
A presença da lembrança,
a voz rouca e antiga,
o som na concha, na música,
no afeto e no coração.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Processo de Criação: " Biurá - Contas de Sonhos"



 A obra de arte não é só o resultado final, mas todo o percurso, as dúvidas, e os anseios que fazem parte do processo.








 É difícil precisar onde uma obra começa. Às vezes uma imagem, um sonho esquecido, um descontentamento, tudo isso em reboliço no pensamento, no sentimento e até nas atitudes, podem direcionar um caminho, um desejo.








 “[...] o fato que provoca o artista é da maior multiplicidade de naturezas que se possa imaginar. O artista é um receptáculo de emoções.” (SALLES, 2007, pág. 55)


 


 O artista persegue um rumo que é vago, ele nunca sabe onde vai terminar, ele tem a intuição do desejo e trabalha em cima desse objetivo sem saber muito bem onde vai chegar. O desejo nunca é completamente satisfeito e é isso que o move numa busca que não tem fim. A perseguição do desejo acompanha o artista em todas as suas obras e essa perseguição é que faz o artista construir outra, outra, e outra obra. Esse caráter vivo da obra traz um dinamismo ao processo criativo.









“ Só se pode agir livremente sacrificando constantemente outras possibilidades de liberdade; a liberdade constitui-se tanto das escolhas que se deixa de fazer ou que não se pode fazer, quanto das escolhas que efetivamente acontecem.” (SALLES, 2007, pág. 64)







Referência Bibliográfica
SALLES, C. A. Gesto Inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 2007.

Fotografias tiradas durante a Residência Artística no Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro, pertencentes ao processo de criação do espetáculo, "Biurá - contas de sonhos".
Crédito das fotos: Aline Teixeira

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O Inconsciente

Masque, sem data.
 O inconsciente é o caminho que "escolhi" (?) para traçar o meu movimento dançado, o meu deslocamento pelo espaço-tempo desse meu breve caminho. No entanto ainda não tinha feito nenhuma postagem para ele que se personifica nos meus dias. Ontem começei a escrever esta postagem e logo ele se manifestou durante toda minha noite de sono. Tive um sonho simbólico, desses que deixam rastros, inquietações e um sentimento pleno de vida. Foi a prova maior de que ele está comigo, ou, eu estou com ele.
 O inconsciente é fonte de sentimentos, imagens, criações e carrega  um universo de mistério e invisibilidade. No entanto seu alcançe e seu poder envolve toda possibilidade de desenvolvimento e existência inclusive as mais doídas, solitárias e mortíferas. Ele possui em sua essência essa dualidade de vida e morte: pode ser delicadamente criador e poderosamente destruidor.
Sinto uma ligação muito forte com essa instância e coloquei minha criação a cargo dessa imprevisibilidade que não sei se posso controlar, mas sinto uma necessidade de me arriscar nessa jornada.
Sempre que retorno a esquizofrenia e os estudos sobre doenças mentais, é como se me aproximasse de uma areia movediça que parece me tragar para o seu interior, com o peso de uma morte.
Pensando sobre o processo de esquizofrenia de Nijinsky, lembrei de seus desenhos que compartilho aqui. Esses desenhos foram feitos em um momento desesperador, de tentativa de dizer algo que ele mesmo não compreendia. Redigia seu diário e traçava formas, talvez precisando dar voz ao turbilhão que o atormentava e o dominava.




Figures géométriques , sem data.




Portrait de femme, en buste, avec une coiffure en pain de sucre,
sem data.



Danseuse, ou Le Dieu de la danse, sem data.


Fonte dos desenhos:
Nijinsky, catálogo da exposição, "Éditions de la Réunion des musées nationaux", 2000, Paris.


“Cada um desses indivíduos – esquizofrênicos ou marginais de vários gêneros – possui suas peculiaridades, mas todos têm contato íntimo com as forças naturais, brutas, virgens do inconsciente. Que hajam configurado visões, sonhos, vivências nascidas dessas forças primígenas, eis um dos mistérios maiores da psique humana.”
Nise da Silveira

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Pensando e sentindo o mundo



"Aprendi que o artista não vê apenas. Ele tem visões. A visão vem acompanhada de loucuras, de coisinhas à toa, de fantasias, de peraltagens. Eu vejo pouco. Uso mais ter visões. Nas visões vêm as imagens, todas as transfigurações. O poeta humaniza as coisas, o tempo, o vento. As coisas, como estão no mundo, de tanto vê-las nos dão tédio. Temos que arrumar novos comportamentos para as coisas. E a visão nos socorre desse mesmal."

- Manoel de Barros em entrevista "caminhando para as origens", a Bosco Martins, Cláudia Trimarco e Douglas Diegues. [Caros Amigos]. 2007.

domingo, 4 de novembro de 2012

Passificadora

Imaginação …. a “mestra do erro; a louca da casa”, segundo os cartesianos.
Imaginação …. a criadora de novos mundos, “[...] a faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade, que cantam a realidade.” (Bachelard, 2002)
Passificadora …. um universo de imagens e imaginação.

Passificadora, solo de André Bern, era uma incógnita para mim, sabia que pertencia ao espetáculo “Senha de Acesso” (dirigido também por ele), mas esta informação, não diminuia o desconhecido que me rodeava ao entrar no Teatro.
Da incógnita, à experiência estética e artística que presenciei e absorvi, tento neste momento já distante, transcrever as impressões que me atravessaram naquela tarde de sexta-feira, na apresentação dos Novíssimos, ocupação do Teatro Cacilda Becker no Rio de Janeiro, pelo Festival Panorama.
Do intervalo de tempo entre o desconhecido inicial e o conhecido do fim surgiu uma emoção pelo contato com imagens tão verdadeiras e livres que se desdobraram em muitas outras. Imagens simbólicas e delicadas que sem revelar sua intimidade, denunciavam mundos possíveis.
André me encantou com seu silêncio repleto de reverberações.
Meu primeiro deleite neste encontro foi com as costas de André. Em pé, com a cabeça voltada para o chão, suas costas nuas, me pareciam sem cabeça e perdiam a conformidade com a ideia de corpo estabelecido. Seus braços e dedos em movimento, pareciam buscar longe algo perdido, e esta procura movimentava seus ossos e músculos, compondo um diálogo mudo e agradável. Embarquei nesse diálogo e nele ficaria por horas, mas eis que a realidade me pinçou deste devaneio pela primeira vez. A imagem esmaeceu e se transformou.
As imagens levavam a fantasias, que se insinuavam e antes mesmo de se estabelecer, já outra imagem surgia, num jogo de revelações e ocultamentos.
Essa brincadeira manteve-se por todo o tempo, e em determinado momento, dei-me conta da força e autonomia das imagens que, atravessavam a matéria do artista, convertendo-se em uma comunicação invisível. O corpo do artista, afirmou-se como obra de arte, sede das construções, das experiências, dos conflitos, sugestões e dúvidas que nascem em um corpo que não é pacífico e nem tampouco passivo. O universo interno (inconsciente?), sem forma, se exteriorizou, compondo imagens políticas, agressivas, e doces. Nas imagens que iam se sucedendo, o corpo assumia atitudes, vivenciando sentimentos e sensações dessas construções.
Nesse jogo o devaneio surgia e embalava o artista na vivência da imagem. Eu, com o público, devaneava com André em cada imagem, criando personagens e narrativas. No entanto, antes que eu me embriagasse da imagem, havia um despertar que trazia o artista de volta a cena e eu de volta à platéia. Esse jogo me remeteu ao duplo, como possibilidade de coexistência, e esse duplo era responsável pela quebra da magia e retorno a realidade. Fragmentação característica de nossa era contemporânea.
A Arte Contemporânea não é linear e reprodutora de padrões socialmente aceitos. Ela tráz um desconforto porque é questionadora, não deixa o público passivo e inerte, além disso reproduz a confusão, a velocidade e a fragmentação dos nossos dias.
Com a fragmentação vieram muitas imagens/narrativas: um muçulmano, um artista rico em uma echarpe, um modelo de um pintor renascentista, uma noiva, um ser da terra disforme e ao mesmo tempo o artista em sua essência e plenitude a serviço das imagens e das provocações, que de forma alguma permite um corpo/artista passivo. O artista assume riscos, atitudes, posições; não é possível ser passivo. Na obra, o corpo é trabalhado e superado, some o gênero, some a personalidade, some a individualidade para se configurar a universalidade.
O filósofo lituano Emmanuel Levinas utiliza a metáfora do “rosto” como o encontro com o infinito. “O rosto é o lugar onde nos damos conta do infinito que é o outro”. (Koneski, 2008) Olhar a obra de arte como rosto é se deparar com esse infinito, onde não há a facilidade do invisível que está a nossa frente para ser descortinado, e sim o mistério do desconhecido que afeta mas não esclarece.
André em pouco tempo, construiu e desconstruiu imagens, construiu e desconstruiu um novo corpo. Sonhou, se contorceu, viveu. Em pouco tempo passou por estados alterados de percepção, memória, e provocou o público. Uma senhora ao fim do espetáculo, relatou a vivência de uma das questões do trabalho que ela não podia nomear. Houve a troca de experiências, de mundos, de vidas que se aproximam em suas questões e símbolos.
A obra de arte revelada naquela tarde, não desvelou o universo imagético. Permitiu que o público pudesse experimentar esse estado de construção que não chega a se completar, que fica no limite, no entre, no ar.
Bibliografia:
BACHELARD, G., A água e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
Koneski, A.P., O Murmurio na Arte Contemporânea. In: Makowiecky, S. e Oliveira, S.R. (org.) Ensaios em torno da Arte. Chapecó: Argos, 2008.

Encontros e Memoráveis

 Relatos completos dos memoráveis 1 e 5 no Cantinho do Senha.

#1
[...] Esvaziamos eu e Fábio nossas bolsas sem falar nada, só olhando e sorrindo. Minha bolsa estava cheia para variar, mas nada de especial. Carregamos junto com os objetos, nossas preocupações e neuroses. Como podemos nos delatar o tempo todo para os outros. [...]

#5
[...] Começei guiando Fábio de dentro do Centro Coreográfico, sem falar, apenas respirando e segurando-o pelo ombro. Depois de sair do elevador e do prédio, paramos no parquinho da entrada. A tarde caia, tinham nuvens amareladas no céu. Fábio não podia ver, mas podia sentir a tarde caindo [...]

No meu momento de ser guiada, vivenciei muitas coisas: segurança na insegurança. Andar no escuro total, só ouvindo os sons que pareciam me engolir (principalmente do trânsito), foi difícil [...]

Depois dos memoráveis, café e relatos, me ocorreu uma frase do livro "A Água e os Sonhos" de Bachelard:

 “Os acontecimentos mais ricos ocorrem em nós muito antes que a alma se aperceba deles. E quando começamos a abrir os olhos para o visível, há muito que já estávamos aderentes ao invisível.” (D’ANNUZIO apud BACHELARD, 2002, p. 18)



Dia de trabalho com Fábio Honório e André Bern

sábado, 3 de novembro de 2012

Memorável

O memorável é escrito com um verbo no infinitivo.É um convite e não uma ordem.
O vento tornou-se um memorável, que continuo praticando.

#15:
Sempre que me encontrar com o vento
diminuir o ritmo, as minhas passadas.

Fonte: http://senhadeacesso.wordpress.com/category/memoraveis/

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O Vento .....


Ando presa ao vento,
aérea, confusa ….
É uma ligação que veio
se estabelecendo lentamente.
Tive vontade de voar,
acompanhei borboletas, me perdi em balões coloridos.
Eles entraram em meu corpo,
um não, muitos.
Eles me fazem flutuar,
acalmam minhas tensões.
As vezes eles estouram
e liberam grande quantidade de ar,
que extravasa pelos meus poros.



Vento do lado de fora,
ar do lado de dentro,
no meio disso tudo, eu
revolvida, desnorteada,
mas tão cheia
que só posso sorrir,
ouvir o vento, ouvir o mar,
me embalar no seu ritmo
e na sua tensão.

Sensação de boiar no infinito,
caminhar na lua.
É outra forma de viver,
de olhar, de sentir,
ventando, soprando,
arejando voando.....




Este também pertence ao "Cantinho do Senha"

Fonte das Imagens:
Imagem 1: http://highlike.org
Carlos Amorales - Black Cloud
Imagem 2: http://highlike.org
Charles Wilkin

sábado, 29 de setembro de 2012

O Movimento sem Face de Gabriela Alcofra


 O vento leva, remexe, troca as coisas de lugar. Refresca o corpo, refresca a alma; bagunça o pensamento numa brincadeira sútil e lúdica.
Entrar no teatro e ver o vento, trouxe muitas sensações e recordações. A cortina balançando na janela levou-me para outros lugares, vieram lembranças, poéticas saudades. O tecido não parava, o pensamento também não, ou seria o sentimento? O som do ventilador ligado afirmava a sensação do vento na imaginação. O vento me fez sonhar, tirou-me o peso da gravidade do dia e colocou-me em um estado de contemplação. Cena bela que inicia o trabalho coreográfico de Gabriela Alcofra, intitulado “Movimento sem Face”.
Minha primeira reflexão foi sobre o olhar do artista, que consegue encontrar poesia nos elementos mais simples da vida; que consegue elaborar ações humanas a partir da aridez do nosso convívio social; que consegue provocar politicamente, e transformar os materiais mais diversos em uma nova significação.
As elaborações artísticas não tem uma direção clara e continua; e para cada criador abrem-se horizontes com múltiplos caminhos. Nos trabalhos autorais que tenho oportunidade de ver, percebo a fidelidade do artista às angustias que surgem no dia a dia. Perseguindo os incômodos que surgem, trilham um caminho de questionamento do ser e fazer, caminho verdadeiro e sem conforto.
Gabriela constrói uma cena leve e delicada, que se transforma com sua presença e seu movimento. Percorrendo o espaço cênico em deslocamentos variados e com diferenças de densidades, vai questionando a leveza do vento e a liberdade do corpo.


 Liberdade é uma ideia que surge ao longo das cenas – a liberdade da janela, do vento, do movimento e do corpo que vai sendo castrado, revelado e coberto. Essa dualidade de estados me fez lembrar de Cecília Meireles que diz,: “Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.” Em nossa sociedade, um sonho que se faz ilusão, palavra estéril repetida tantas vezes, que nem sempre frutifica caminhos, mas que é alimentada coreograficamente.
O corpo de Gabriela parece viver intensamente o desejo por essa liberdade entendida e perdida. Surge um questionamento do corpo, que vive sentimentos múltiplos e dialéticos. A cabeça em movimento liberado pelo espaço parece buscar respostas, mas desnorteia o corpo e o próprio caminho. O figurino vai se modificando, numa inspiração de sensualidade e realidade de castração. O sonho do início transforma-se em dura realidade, o corpo é sacudido e aprisionado, é agora um corpo sem face com as implicações dessa ausência.
Um véu surge, e traz a sensação de sufocamento. Na ação de torcer o véu, o rosto adquire contornos, revela uma existência que é física, material e simbólica. A torção do véu parece comprimir a vida em um movimento mecânico e denso. A castração surge como resultado de uma amarração poética em um novo corpo construido a partir das relações de liberdade verdadeira, vigiada e reprimida.

 
Olhando a vida, o artista faz escolhas e as vezes nessas escolhas surgem elementos da própria vida que vão embalando a obra. O artista é um eterno questionador com sua percepção e seu sentimento aflorado. Questiona a vida, a sociedade, a arte e sua produção também. Falando sobre a sua construção, Gabriela destaca uma inquietação percebida no próprio fazer da Dança Contemporânea. O rosto e sua expressão, ou a falta dela, levou-a a pensar sobre a neutralidade (seria nulidade?) que conduz os corpos, os movimentos e os conteúdos trabalhados cenicamente na nossa era contemporânea.
Longe da estrutura narrativa tradicional, a Dança Contemporânea não é esvaziada de temas e conteúdos, eles estão presentes de outra forma, talvez acompanhando a sociedade que se apresenta de forma segmentada, desconstruída ou simplesmente reformulada e repaginada.
Da observação do rosto e da expressão, o seu trabalho de pesquisa foi ampliando-se e alcançando estruturas culturais diversas da nossa vivência. O contemporâneo questionado alcançou o tradicional de uma sociedade distante, e pensando em tradição, o corpo é a nossa maior tradição.
Nosso corpo continua sendo o que era para nossos ancestrais, comunica gestos culturais que não se perderam com a ausência de nossa manifestação social e política. Ele continua contando histórias em segredo, exteriorizando sensações e emoções que as vezes ainda não irromperam na consciência.
O corpo sem face encontra uma outra forma de comunicar, potencializando partes outrora discretas. Gabriela , e seu corpo sem face, encontra movimento, encontra a poesia necesária para dar forma as angústias e as emoções, transformando a vida.



 O crédito das fotos do espetáculo são de Diana Sandes

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

"Cantinho do Senha"

Este foi escrito para o carinhosamente chamado "Cantinho do Senha"

 Pedaço

Existem pedaços de mim,
pedaços da minha vivência / experiência espalhados pela linha do tempo,
são tantos,
afinal, eu também sou muitas,
me transformo ao longo dos dias, ao longo dos anos,
ao longo do MEU tempo.
Seria possível destacar pedaços de mim como memórias?
O que surgiria daí?
?
?
?
pedaço – matéria


pedaço – sentimento
pedaço – pensamento
pedaço - sonho
pedaço – outro alguém
pedaço – eu mesma
.
.
.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A arte no mundo, a arte na vida,



 A arte é inexplicável!
Ela exige um confronto com nossa realidade mais íntima,
remexe conteúdos adormecidos, desconhecidos....
ela tráz e exige uma melhoria de nós mesmos. 

Neste encontro, do indivíduo com a obra, 
é preciso evitar mediações, disfarçes e fugas.
É preciso deixar-se penetrar, permitir-se ser afetado, 
contaminado, transformado.
Mesmo que seja confuso, estranho, doloroso...

É nesse encontro, nessa permissão,
nessa transformação,
que nos fazemos inteiros,
humanos.....


quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Jogo Sem Objetos

Estréia amanhã no Sesc Copacabana, no Rio de Janeiro, o espetáculo "Jogo sem objetos" que é o resultado de um processo de pesquisa e criação que Giselda Fernandes vem desenvolvendo há algum tempo, na elaboração das suas inquietações, práticas e reflexões.
Em abril, Giselda apresentou um trecho deste processo que já se desenvolvia e as suas inquietações reverberaram em mim em reflexões que materializei em um texto "Ser objeto e também sujeito". Aproveito a estréia do espetáculo para destacar o texto e oportunizar novas leituras.





Ser objeto e também sujeito
Sempre me maravilho ao ouvir e presenciar um processo em criação. É um momento onde é possível compartilhar universos em ebulição; perceber as dúvidas como possibilidades de caminhos; é ver obras em processo de gestação. Nessa escuta é possível vislumbrar a busca do artista em sua tentativa de reconhecer e entender sua ação artística, sua ação humana e as incursões do seu inconsciente.
A obra de arte, na maioria das vezes, surge a partir de uma inquietação, algo que persiste, metaforicamente, prende o olhar numa atitude magnética desdobrando o objeto interessado, a intenção ou a inspiração por horas, dias e tempos. Para o artista é uma 'busca sincera', é uma perseguição que às vezes não acaba nunca. Vi essa perseguição na respiração de Giselda Fernandes, na apresentação do seu processo, no discurso do seu fazer, na enumeração dos objetos que viram material de pesquisa, viram objeto-partner, viram corpo-objeto e objeto-corpo.
Giselda Fernandes, é coreógrafa, bailarina, professora, produtora e juntamente com Hilton Berredo, dirige o trabalho da “Os Dois Companhia de Dança”. A companhia tem como característica a união das artes visuais com a dança utilizando como elemento de comunicação entre as duas áreas artísticas, objetos cotidianos. A pesquisa com objetos traça um caminho de parceria, ou partner segundo conceito desenvolvido por Giselda, parceiros da ação, do movimento e do momento artístico. Partner na dança é o outro que está inteiramente comigo. Ele é a individualidade que divide a cena, os movimentos, o suor, e os imprevistos; que dá apoio, dá segurança e complementa a forma numa cumplicidade onde o duplo se torna um.
Quando conheci Giselda e entrei em contato com o seu conceito “objeto-partner”, achei o termo poético pela ressignificação do objeto, que deixa de ser simplesmente um elemento cênico para se tornar sujeito do trabalho artístico.
Explorando materiais diversos, Giselda já trabalhou com bancos, garrafões de água mineral, sacolas plásticas, vassouras e agora em um novo momento de sua pesquisa, constrói uma relação que extrapola no corpo como objeto; como objeto presente no corpo, mas materialmente ausente. Ainda existe o banco, ainda existe o garrafão, mas as propostas e intervenções se aprofundam deixando à vista a inquietação ainda presente e que busca novas formas de questionar o corpo-objeto-corpo.
Em cena estão os bancos e os garrafões. Os bailarinos executam ações que podem se relacionar aos objetos. Sentam no chão, sentam no outro, tem sua ação de sentar transformada por outro corpo, tornando-se objeto. Em outro momento mudam de papel e manipulam o outro, num jogo que se desenvolve pelo espaço cênico. Os bailarinos em um momento executam ações de manipular o outro (feito objeto), e no momento seguinte são manipulados (tornado objeto). As ações de sentar e se equilibrar que existiam na pesquisa inicial com os objetos cotidianos, são realizadas agora nos corpos. A ação se deslocou da relação com o objeto para um sujeito, que não transparece emoção ou sensação nas várias situações que experimenta e vive no seu corpo (dominador e dominado). Mesmo com a ausência da emoção visível dos bailarinos, pude construir textos e histórias para aquelas ações que se desenrolavam. Penso que Giselda insiste na nulidade do sentimento dos bailarinos para que não se construa uma dramaticidade pessoal; mas essa dramaticidade existe na presença viva do bailarino, e é passada ao objeto. Cria-se um novo corpo, corpo-objeto e isso implica um novo ser, não há a ausência do sujeito, mas sim um acréscimo na sua existência.
O movimento tem a capacidade de revolver o fundo de nossas almas; como o rio que também revolve a areia depositada no seu fundo. Acredito ser um exercício intenso ser revolvido pela ação artística e suprimir a humanidade que normalmente explodiria pelos poros, pelo olhar e pela respiração. Lembro nesse momento da Performer sérvia Marina Abramovic que em alguns de seus trabalhos sustenta a ação muitas vezes sem deixar transparecer uma emoção, uma intenção, que acredito existir na água que se mistura a areia. Como fica o sujeito - individuo nessa ação? Ele pretende tornar-se objeto?
Na cena final do trabalho apresentado por Giselda, um bailarino exerce uma intensa (mas poética) ação com dois bancos. O esforço visível do seu corpo na construção da relação com o objeto, parece um flerte com um novo corpo e toda a construção de uma nova relação, com imposições e cessões.
A relação foi construída, a humanidade preservada e o abandono do corpo no final, parece glorificar o conceito de partner.
Sinto transformações no caminho criativo de Giselda. Se antes ela dialogava com o objeto que impunha limitações e desafios em sua materialidade; agora percebo uma transferência para o sujeito que se permite viver como objeto com todas as suas características.
Que a inquietação continue gerando ressonâncias.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

“Da raiz, a seiva sobe pelo artista, desliza-lhe por dentro, desliza até os olhos. O artista é o tronco da árvore. Vencido e ativado pela força da corrente, converge a sua visão para sua própria obra ... Não faz nada além de recolher e transmitir o que surge do profundo. Ele não serve nem manda, mas transmite. A sua posição é humilde. E a beleza final não é sua, é somente passado através de si próprio.” 
 Paul Klee

terça-feira, 24 de julho de 2012


A Criação Artística com Rilke e Bausch
Sempre que assisto a algum espetáculo que me afeta, penso no quanto pode ser rica e simbólica uma obra de arte. O poder de comunicação nesse caso vai ao extremo, vai além da nossa articulação linguística.
Uma vez ao sair do teatro ouvi uma pessoa que dizia: “Não entendi nada, mas gostei p'ra caramba!” Era um espetáculo da Denise Namura, brasileira radicada na França que tem uma pesquisa valiosa na dança. Seu trabalho segue o nosso dia-a-dia (nossos amores, vaidades, iras, loucuras; nossos pequenos gestos e nossas intenções) de uma forma lúdica, leve e cômica. Penso se ela busca a verdade no seu trabalho, e se pessoalmente a encontra.
Acredito que um trabalho para comunicar algo, alcançar o público (o mais distante e o que tem menos afinidade), deve conter elementos da lacuna que o artista carrega em sua vida. Lacuna que nunca chega a ser preenchida pois parece se desdobrar em questões.
Rainer Maria Rilke em suas “Cartas a um jovem poeta” diz em determinado momento: “Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples 'Preciso', então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso.” (Rilke, 2011, p. 25)
Levando esse pensamento para a Dança, faria a pergunta: É preciso Dançar?, e além dela, O que devo Dançar?
Além das preocupações técnicas e dos floreios, uma das coisas mais difícieis no processo de criação, é a decisão do que mover, para onde e quanto. Quanto me basta para exprimir uma sensação? Que movimento posso fazer que seja verdadeiro para mim e para o público também? Como limitar o que é necessário? Como sobrepor esta necessidade aos meus anseios estéticos? Ao sair do filme “Pina” de Win Wenders, essas perguntas me assaltaram.
Pina Bausch construiu espetáculos belos, poéticos, delicados, profundos .... verdadeiros. Não conheço seus esboços, seus rascunhos e suas questões, posso dizer da grandiosidade que sinto ao assistir seus movimentos; da elevação da minha sensibilidade, do respeito pela artista que cumpriu com seu caminho. É um sentimento que beira ao sublime.
Suas obras encantam, falam do invisível que nos rodeia, da magia dos nossos afetos, da simplicidade da nossa existência. No texto/discurso dos bailarinos, vemos a Pina humana, generosa, que movia os bailarinos através de olhares e questões, que dizia uma palavra, ou não dizia nada; e isso fazia toda a diferença para eles.
Talvez Pina comungasse dos questionamentos de Rilke, e indo além do “É preciso escrever?”, e “É preciso Dançar?”, ela acrescentasse “É preciso Calar?”
Conduzir um processo criativo e despertar a verdade contida nos cantos mais profundos da alma humana, é uma atitude difícil. Qual seria a medida nessa avaliação? O sentimento, a percepção? Algumas palavras brincam no meu pensamento: risco, intuição e confiança. As palavras se misturam e surge arriscar o risco, risco na intuição e confiança arriscada. Na criação não existe certeza, conforto e comodidade; existe a dúvida, o medo e a insegurança. O artista se guia pelo risco, pela intuição e tenta sentir confiança pelas sugestões que vão aparecendo.
Na Psicologia Analítica, Jung descreve o inconsciente como produtor de imagens e sugestões que alcançam o consciente.
O inconsciente move o material simbólico e este muitas vezes se materializa nas obras de arte, alcançando extratos arcaicos comuns a humanidade. É o que faz uma obra de arte sair da categoria “estética” para a categoria”simbólica”. É o que traz o engrandecimento do público, na fala de que gosta, mas não sabe porque gosta. É a sensação de sublime em Pina Bausch. É a verdade proposta por Rilke.
A obra de arte simbólica afeta o artista, afeta o outro, preenche a existência e descobre as certezas, numa ampliação da própria vida.


Acrescento o trailler do filme "Pina" do diretor alemão Win Wenders, para que a imagens e sugestões sobre Pina Bausch possam se completar.



quinta-feira, 19 de julho de 2012

Texto e Imagens de Construção coreográfica

Ainda sobre o processo de criação e construção na comunidade Vila Sapê, compartilho o texto construido a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente e das conversas sobre o dia-a-dia das crianças integrantes do projeto. As imagens que se seguem ao texto fazem parte dos dias de montagens e ensaios da coreografia "Vela".

 
Direitos e Deveres
Nossas mãos recebem a vida, preparam o amanhã através do que fazemos hoje.
Nossas mãos suportam o mundo, trabalham e ensinam. São as mesmas que mandam, obrigam, proibem e batem...
Essas mãos nos dizem constantemente o que fazer, reforçam e repetem os nossos deveres
Mas porque só deveres? Deveres, deveres, deveres ….
Porque só o que devemos e não o que podemos?
Somos crianças, e temos não só deveres, mas direitos também.
Eu tenho direito à vida e tenho o dever de preservar a vida do meu próximo.
Eu tenho direito à saúde e tenho o dever de não provocar doenças e machucados nos outros.
Eu tenho direito à liberdade, sou livre e não mais escravo.
Eu tenho direito ao respeito e a dignidade e tenho o dever de respeitar os mais velhos, meus professores, pais e amigos.
Eu tenho o direito à convivência familiar e comunitária e tenho o dever de não discriminar e nem tratar os outros com preconceitos.
Eu tenho direito ao esporte e ao lazer, tenho o direito de brincar e jogar bola.
Eu tenho direito à ter um registro para ser reconhecido como pessoa e assim cumprir com todos os meus deveres.
Eu tenho direito à Educação, à cultura, tenho o direito de estar na escola e aprender.
Eu tenho o direito de ser eu mesmo e não ser o que os outros querem que eu seja; e tenho o dever de lutar por mim.
Conhecendo os meus direitos e deveres compreendo melhor o mundo e contribuo para que a vida seja melhor.
Dessa forma encontro amigos, amigos verdadeiros que me ajudam a melhorar, progredir e aprender cada dia mais.
Amigos que estejam comigo não só na hora de brincar e bagunçar, mas também na hora de estudar e nas horas difíceis.
Amigos que vejam os meus erros e me ajudem a superar os problemas que posso criar.
Amigos que me respeitem que me aceitem como sou e que me amem como parte da própria vida.


Ensaio coreografia "Vela"






Ensaio coreografia "Vela"


terça-feira, 17 de julho de 2012

Imagens do processo de Criação em Vila Sapê


Acrescentando a postagem anterior, sobre o processo de criação e construção na comunidade Vila Sapê, compartilho algumas imagens dos dias de montagens coreográficas, explorando a cadeira como material cênico.

Coreografia "Cadeiras"



Coreografia "Cadeiras"























Cena "O Ônibus"

sábado, 9 de junho de 2012

Dança – Arte – Educação em Vila Sapê


Dança – Arte – Educação em Vila Sapê
Relato de Experiência
Resumo
O primeiro desafio que vivenciei como professora formada aconteceu na comunidade “Vila Sapê”, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, no projeto “Oficina da Criança”.
Desenvolvido pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, o projeto atendia crianças de sete à quinze anos no contra turno escolar, em uma casa que se localizava no centro da comunidade.
Meu desafio foi construir um projeto de Dança que atendesse os anseios de movimentos das crianças; que atuasse de forma educativa, equilibrando as capacidades físicas e coordenativas; que gerasse conhecimento, consciência e autonomia, através das escutas, das discussões, dos colos e afetos; e por fim, que culminasse em um produto artístico, solicitação da gestão do projeto.
O texto a seguir é um relato deste percurso de construção e desconstrução, conhecimento e dúvidas, percepção e conscientização, evolução e aprendizado. Num processo mútuo de vidas que se entrelaçaram, aqueles foram dias de intensidades: emocionais, sociais, econômicas e afetivas.
Relato de Experiência

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Correção

Rodrigo Maia é coordenador do Projeto Fronteiras e não curador como descrito no texto "Para Rodrigo Maia: Algumas reflexões". Perdão pela confusão de funções.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Ciclo de Encontros

O ciclo de encontros encerrou esta fase de atividades em torno da pergunta 'Como nos mobilizamos?' no dia 19 de abril, no Centro Coreográfico do Rio de Janeiro, com as presenças de Rosa Coimbra, Diana de Rose e Dani Amorim. O relato crítico feito por Victor Costa já está dísponivel e o link encontra-se na postagem sobre o Ciclo de Encontros.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Ciclo de Encontros

Atualização:
Já está atualizada a postagem do Ciclo de Encontros com o acréscimo do relato crítico de Rodrigo Bernardi que esteve presente na penúltima noite de conversas. A mesa deste dia foi composta por João Saldanha, Denise Aquarone e Gustavo Ciríaco em torno da pergunta 'Como nos profissionalizamos?'

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Para Rodrigo Maia: algumas reflexões


                                  “Para Rodrigo Maia: algumas reflexões"
 
Imagem do  segundo dia do Encontro Por onde Circulamos?

Senti que o tema da palestra “Por onde circulamos” do Ciclo de Encontros da Dança Carioca, acabou se encaminhando para uma discussão do fazer em dança (social, pessoal, comunicativo, artístico) que também tem seu valor; e pessoalmente gosto de ouvir os artistas na reflexão sobre a sua prática.
Tenho pensado muito sobre a questão do nosso fazer contemporâneo. Não acho que ele é qualquer coisa, e nesta reflexão discuto com minhas proposições, com as obras que vejo, com os textos que leio nas mais variadas áreas e sobre o que escuto do público e dos artistas. Fico triste quando escuto algumas colocações como “[...] muito contemporâneo demais [...]” ou “[...] fazer algo mais digerível [...]”, mas também entendo que viver e entender a nossa era, não é fácil.
Vivemos uma fase histórica, tecnológica, humana e artística que não se apoia em muitas leis e regras. Não estamos sob um paradigma, mas alguns paradigmas e talvez por isso a variedade da produção de conhecimento pareça em alguns momentos caótica e em outros momentos superficial e vazia. É difícil determinar os princípios e limites quando essas fronteiras se tornam permeáveis e não conseguimos manter a pureza de nossas propostas.
O primeiro ponto que assumo na minha forma de viver e de construir o meu fazer artístico, e que penso ser o reflexo de nossa época, é o pensamento transdisciplinar.
A Carta de Transdisciplinaridade adotada no Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, em Convento de Arrábida, Portugal , em novembro de 1994; propõe três pontos chaves: rigor, abertura e tolerância.
O rigor consiste no conhecimento profundo e crítico do que se faz, não é superficial e não é qualquer coisa. A abertura permite a flexibilidade na leitura do mundo e das propostas, visualizando novas formas de se construir o conhecimento e sem a fixação dos limites de cada área. Por fim, a tolerância tráz respeito a visão e produção do outro, mesmo que esta produção não me afete e não responda aos meus questionamentos. A verdade assume um carater diverso.
Mas por que falei disto tudo?
Para justificar meu olhar sobre a produção contemporânea em dança que é tão diversa quanto a nossa época, e bastante criticada por pessoas que não percebem esta abertura e nem possuem esta tolerância. Tolerância e abertura que gerou a diversidade dos Festivais, Projetos e Eventos de dança, foco do encontro “Por onde circulamos?”
Dois eventos foram representados e citados: Projeto Fronteiras e o Entrando na Dança (que faz parte do Festival Panorama), diferentes em sua essência, mas únicos na proposta de divulgação de uma arte vivida pesquisada e experimentada.
Rodrigo Maia coordenador do Projeto Fronteiras citou quatro elementos importantes do projeto: vínculo, continuidade, potencialização e desdobramento.
O Fronteiras se desenvolve em cidades diferentes aproveitando a diversidade das cidades e culturas e levando propostas artísticas com objetivos diferenciados. O formato do projeto permite que se estabeleça vínculos entre os artistas envolvidos numa troca generosa. Os artistas dividem casas disponibilizadas para as estadias, as refeições, momentos de conversa, confraternização, sono e momentos de reflexão.
A continuidade do projeto em cidades/países diferentes divulga um fazer da arte que pode ser oferecida às comunidades locais de diversas formas. Espetáculos nas ruas ou espaços alternativos, oficinas em escolas, presídios e outros lugares numa democratização do conhecimento e troca de experiências que se torna uma atitude política. Essas ações potencializam o artista, pois ampliam a sua experiência (voltando ao trio transdisciplinar, rigor, abertura tolerância) e consequentemente sua atuação no mundo, provocando desdobramentos em novos caminhos artísticos.
Carla Strachmann responsável pelo Entrando na Dança falou da promoção do acesso dos produtos artísticos para um público que não seja específico de dança, levando espetáculos à lonas culturais e bairros distantes dos centros de promoção e divulgação artística.
Muito da conversa da noite tendeu para um caráter social ou não da produção artística e não acredito nessa “fôrma”. A arte é o que é, ela pode alcançar o social pela abordagem política de temas e situações; pela reflexão que pode provocar, mas não acredito que um trabalho que se desenvolva já querendo se moldar ao social realize plenamente este papel.
Não é preciso pertencer ao meio artístico para que se goste de Arte, de Dança, de Dança Contemporânea, ou para que se sinta tocado por uma obra. A obra precisa comunicar, precisa estabelecer um canal de troca com o público, e esse canal nem sempre é fácil de se descobrir e acessar.
Denise Stutz, que também fazia parte da mesa de debates, falou sobre a comunicação com o público, da intenção desse foco em seu trabalho e das experiências que viveu e tem vivido com seus espetáculos. Em suas palavras “[...] circular em direção ao outro [...]”.
Muitas das vezes a abertura e a tolerância não praticada no dia-a dia, é parte do indivíduo que não vê a obra dentro da sua construção de mundo e de verdade. É preciso então rever a humanidade, perceber as colocações e críticas que se fazem e tentar flexibilizar os conceitos para que se alcançe uma maior amplitude artística e da própria vida. Talvez seja uma tarefa para se começar nas escolas, em uma educação que vá além da 'educação para a arte', para se tornar 'educação para a vida'.
Tomando-me como exemplo, que estudo, pesquiso e crio dentro do que se chama Dança Contemporânea; já tive oportunidade de assistir trabalhos que às vezes não me comunicam e nem me afetam. Mas tento exercer minha abertura e tolerância no respeito à obra construída. Seguindo o pensamento, e a generosidade, de Jung, percebo que as inquietações do outro nem sempre são as minhas; as soluções do outro também não necessariamente são as minhas, mas são parte da nossa era, da nossa produção contemporânea de pensar, produzir, sentir e dançar …..
Para finalizar gostaria de citar uma série de programas realizado pelo Instituto Itaú Cultural do Brasil com consultoria de Jorge Coli, Professor de História da Arte e Cultura da UNICAMP, intitulado Obra Revelada. A proposta do programa é convidar pessoas que não tem formação específica em Artes Visuais, para falar sobre uma obra de que gostam. É tocante o depoimento de Adilson de Souza, funcionário da Pinacoteca do Estado de São Paulo em sua fala sobre uma obra do acervo permanente: “Ventania” de Antônio Parreira. Embora não seja catalogada como Arte Contemporânea, é um exemplo de como a Arte pode tocar, comunicar, afetar e alterar a vida; com rigor, abertura e tolerância.
Para assistir ao vídeo Clique aqui

Grupo de Pesquisas em Artes Corporais

Grupo de Pesquisas em Artes Corporais
Já com um ano de existências o GPAC desenvolve pesquisas sobre o fazer na Dança norteando pesquisas em várias áreas. Coordenado pela Profa. Dra, Maria Inês Galvão Souza e pela Profa Ms. Isabela Buarque, o grupo tem reuniões mensais nas salas do Departamento de Dança da UFRJ. Um link interessante para ler e pesquisar a produção em dança.
Para acessar o GPAC Clique aqui

"Em 2010, intentando ampliar o entendimento sobre as artes do corpo, integrando pesquisadores de diferentes instituições de ensino e campos do saber, criando uma ambiência própria para as discussões sobre o corpo humano e suas possibilidades de produção enquanto escritura cênica e/ou cultural, um coletivo de dançarinos, atores, professores e pesquisadores de diferentes instituições acadêmicas, formaram o Grupo de Pesquisa das Artes do Corpo, o GPAC.
O GPAC, Grupo de Pesquisa das Artes do Corpo, busca interfaces entre o corpo e as produções artísticas."