Atualizações de muitos ensaios
14 de outubro
Abri o caderno de Fábio a esmo, e sem ler nada pensei: não posso abri-lo de qualquer jeito, é o Fábio. Começei
a pensar desde quando conheço Fábio. Faz tempo! [...]
Lendo
os escritos de Fábio, duas coisas me chamaram a atenção: a letra dele,
extremamente bonita; e vários dias onde ele identifica a data começando
com Rio 40°. Me lembra toda luminosidade e verão que tanto gosto. [...]
Fábio fez três disciplinas comigo [...]
"Boa
prova, usou uma movimentação própria. Deformação de pequenas partes em
contatos diferentes dos membros superiores. Em alguns momentos explorou a
deformação a partir das linhas geométricas. A sequência ficou bonita e
interessante".
18 de outubro
Levei a concha para André e Aluísio
ouvirem o som do mar. É muito bom fechar os olhos e escutar um misto de
silêncio e eco, um misto que lembra as ondas em alto mar. Sempre
imaginei assim. [...]
Um vento entrou na sala no momento em que fazíamos a sequência, batendo portas e janelas...
Uma bola avançou sobre nós no meio da sala, desviamos dela que atravessou a sala e parou no canto.
Presença!
25 de outubro
A
segunda proposta de André era de que eu cantasse uma música da minha
infância de frente para o ventilador ligado. O pedido de André já formou
um bolo em minha garganta, não sabia se conseguiria executar a tarefa.
Antes de começar, avisei que achava que iria chorar, eu tinha certeza
disso.
André filmou a minha tentativa de canto e o transbordamento
de lágrimas e emoções.
O vídeo pode ser visto no blog Senha de Acesso
Ainda com as impressões e lembranças deste ensaio, escrevi o seguinte texto, sem título:
Silêncio,
tarde ensolarada, quente e clara.
No som, uma voz fala de um lugar distante
areia, mar e o sol....
Tento resgatar o mar
na concha que colo à minha orelha.
Escuto o mar, som forte,
eco de muitas águas, águas profundas,
de alto mar.
Imagino-as escuras e misteriosas.
Um navio cruza o horizonte,
lento e silencioso.
Parece estar em outro tempo, outro mundo.
Olho a tarde novamente, tarde amarelada,
lembra o amarelado do tempo,
cotidiano distante.
Doce lembrança, com sabor de pipa no ar,
biscoito de bichinho, cheiro de padaria,
afeto carregado de carinho, cafuné num colo com saia.
A presença da lembrança,
a voz rouca e antiga,
o som na concha, na música,
no afeto e no coração.
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
domingo, 16 de dezembro de 2012
Processo de Criação: " Biurá - Contas de Sonhos"
A obra de arte não é só o resultado final, mas todo o percurso, as dúvidas, e os anseios que fazem parte do processo.
É difícil precisar onde uma obra começa. Às vezes uma imagem, um sonho esquecido, um descontentamento, tudo isso em reboliço no pensamento, no sentimento e até nas atitudes, podem direcionar um caminho, um desejo.
“[...] o fato que provoca o artista é da maior multiplicidade de naturezas que se possa imaginar. O artista é um receptáculo de emoções.” (SALLES, 2007, pág. 55)
O artista persegue um rumo que é vago, ele nunca sabe onde vai terminar, ele tem a intuição do desejo e trabalha em cima desse objetivo sem saber muito bem onde vai chegar. O desejo nunca é completamente satisfeito e é isso que o move numa busca que não tem fim. A perseguição do desejo acompanha o artista em todas as suas obras e essa perseguição é que faz o artista construir outra, outra, e outra obra. Esse caráter vivo da obra traz um dinamismo ao processo criativo.
“ Só se pode agir livremente sacrificando constantemente outras possibilidades de liberdade; a liberdade constitui-se tanto das escolhas que se deixa de fazer ou que não se pode fazer, quanto das escolhas que efetivamente acontecem.” (SALLES, 2007, pág. 64)
SALLES,
C. A. Gesto Inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 2007.
Fotografias tiradas durante a Residência Artística no Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro, pertencentes ao processo de criação do espetáculo, "Biurá - contas de sonhos".
Crédito das fotos: Aline Teixeira
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
O Inconsciente
Masque, sem data. |
O inconsciente é fonte de sentimentos, imagens, criações e carrega um universo de mistério e invisibilidade. No entanto seu alcançe e seu poder envolve toda possibilidade de desenvolvimento e existência inclusive as mais doídas, solitárias e mortíferas. Ele possui em sua essência essa dualidade de vida e morte: pode ser delicadamente criador e poderosamente destruidor.
Sinto uma ligação muito forte com essa instância e coloquei minha criação a cargo dessa imprevisibilidade que não sei se posso controlar, mas sinto uma necessidade de me arriscar nessa jornada.
Sempre que retorno a esquizofrenia e os estudos sobre doenças mentais, é como se me aproximasse de uma areia movediça que parece me tragar para o seu interior, com o peso de uma morte.
Pensando sobre o processo de esquizofrenia de Nijinsky, lembrei de seus desenhos que compartilho aqui. Esses desenhos foram feitos em um momento desesperador, de tentativa de dizer algo que ele mesmo não compreendia. Redigia seu diário e traçava formas, talvez precisando dar voz ao turbilhão que o atormentava e o dominava.
Figures géométriques , sem data. |
Portrait de femme, en buste, avec une coiffure en pain de sucre, sem data. |
Danseuse, ou Le Dieu de la danse, sem data. |
Fonte dos desenhos:
Nijinsky, catálogo da exposição, "Éditions de la Réunion des musées nationaux", 2000, Paris.
“Cada um desses indivíduos – esquizofrênicos ou marginais de vários gêneros – possui suas peculiaridades, mas todos têm contato íntimo com as forças naturais, brutas, virgens do inconsciente. Que hajam configurado visões, sonhos, vivências nascidas dessas forças primígenas, eis um dos mistérios maiores da psique humana.”
Nise da Silveira
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
Pensando e sentindo o mundo
"Aprendi que o artista não vê apenas. Ele tem visões. A visão vem acompanhada de loucuras, de coisinhas à toa, de fantasias, de peraltagens. Eu vejo pouco. Uso mais ter visões. Nas visões vêm as imagens, todas as transfigurações. O poeta humaniza as coisas, o tempo, o vento. As coisas, como estão no mundo, de tanto vê-las nos dão tédio. Temos que arrumar novos comportamentos para as coisas. E a visão nos socorre desse mesmal."
- Manoel de Barros em entrevista "caminhando para as origens", a Bosco Martins, Cláudia Trimarco e Douglas Diegues. [Caros Amigos]. 2007.
domingo, 4 de novembro de 2012
Passificadora
Imaginação …. a “mestra
do erro; a louca da casa”, segundo os cartesianos.
Imaginação
…. a criadora de novos mundos, “[...] a faculdade de formar
imagens que ultrapassam a realidade, que cantam a realidade.”
(Bachelard, 2002)
Passificadora …. um
universo de imagens e imaginação.
Passificadora, solo de André Bern, era uma incógnita para mim,
sabia que pertencia ao espetáculo “Senha de Acesso” (dirigido
também por ele), mas esta informação, não diminuia o
desconhecido que me rodeava ao entrar no Teatro.
Da incógnita, à experiência estética e artística que presenciei
e absorvi, tento neste momento já distante, transcrever as
impressões que me atravessaram naquela tarde de sexta-feira, na
apresentação dos Novíssimos, ocupação do Teatro Cacilda Becker
no Rio de Janeiro, pelo Festival Panorama.
Do intervalo de tempo entre o desconhecido inicial e o conhecido do
fim surgiu uma emoção pelo contato com imagens tão verdadeiras e
livres que se desdobraram em muitas outras. Imagens simbólicas e
delicadas que sem revelar sua intimidade, denunciavam mundos
possíveis.
André me encantou com seu silêncio repleto de reverberações.
Meu primeiro deleite neste encontro foi com as costas de André. Em
pé, com a cabeça voltada para o chão, suas costas nuas, me
pareciam sem cabeça e perdiam a conformidade com a ideia de corpo
estabelecido. Seus braços e dedos em movimento, pareciam buscar
longe algo perdido, e esta procura movimentava seus ossos e músculos,
compondo um diálogo mudo e agradável. Embarquei nesse diálogo e
nele ficaria por horas, mas eis que a realidade me pinçou deste
devaneio pela primeira vez. A imagem esmaeceu e se transformou.
As imagens levavam a fantasias, que se insinuavam e antes mesmo de se
estabelecer, já outra imagem surgia, num jogo de revelações e
ocultamentos.
Essa brincadeira manteve-se por todo o tempo, e em determinado
momento, dei-me conta da força e autonomia das imagens que,
atravessavam a matéria do artista, convertendo-se em uma comunicação
invisível. O corpo do artista, afirmou-se como obra de arte, sede
das construções, das experiências, dos conflitos, sugestões e
dúvidas que nascem em um corpo que não é pacífico e nem tampouco
passivo. O
universo interno (inconsciente?), sem forma, se exteriorizou,
compondo
imagens políticas, agressivas, e doces. Nas
imagens que iam se sucedendo, o corpo assumia atitudes, vivenciando
sentimentos e sensações dessas construções.
Nesse jogo o devaneio surgia e embalava o artista na vivência da
imagem. Eu, com o público, devaneava
com André em cada imagem, criando personagens e narrativas.
No entanto, antes que eu me embriagasse da imagem, havia um despertar
que trazia o artista de volta a cena e eu de volta à platéia. Esse
jogo me remeteu ao duplo, como possibilidade de coexistência, e esse
duplo era responsável pela quebra da magia e retorno a realidade.
Fragmentação característica de nossa era contemporânea.
A Arte Contemporânea não é linear e reprodutora de padrões
socialmente aceitos. Ela tráz um desconforto porque é
questionadora, não deixa o público passivo e inerte, além disso
reproduz a confusão, a velocidade e a fragmentação dos nossos
dias.
Com a fragmentação vieram muitas imagens/narrativas: um muçulmano,
um artista rico em uma echarpe, um modelo de um pintor
renascentista, uma noiva, um ser da terra disforme e ao mesmo tempo o
artista em sua essência e plenitude a serviço das imagens e das
provocações, que de forma alguma permite um corpo/artista passivo.
O artista assume riscos, atitudes, posições; não é possível ser
passivo. Na obra, o corpo é trabalhado e superado, some o gênero,
some a personalidade, some a individualidade para se configurar a
universalidade.
O filósofo lituano Emmanuel Levinas utiliza a metáfora do “rosto”
como o encontro com o infinito. “O rosto é o lugar onde nos damos
conta do infinito que é o outro”. (Koneski, 2008) Olhar a obra de
arte como rosto é se deparar com esse infinito, onde não há a
facilidade do invisível
que está a nossa frente para ser descortinado, e sim o mistério do
desconhecido que afeta mas não esclarece.
André em pouco tempo, construiu e desconstruiu imagens, construiu e
desconstruiu um novo corpo. Sonhou, se contorceu, viveu. Em pouco
tempo passou por estados alterados de percepção, memória, e
provocou o público. Uma senhora ao fim do espetáculo, relatou a
vivência de uma das questões do trabalho que ela não podia nomear. Houve a troca de experiências, de mundos, de vidas que se aproximam em suas questões e símbolos.
A obra de arte revelada naquela tarde, não desvelou o universo
imagético. Permitiu que o público pudesse experimentar esse estado
de construção que não chega a se completar, que fica no limite, no
entre, no ar.
Bibliografia:
BACHELARD, G., A água e os sonhos. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.
Koneski, A.P., O Murmurio na Arte Contemporânea. In: Makowiecky, S.
e Oliveira, S.R. (org.) Ensaios em torno da Arte. Chapecó: Argos,
2008.
Encontros e Memoráveis
Relatos completos dos memoráveis 1 e 5 no Cantinho do Senha.
#1
[...] Esvaziamos eu e Fábio nossas bolsas sem falar nada, só olhando e sorrindo. Minha bolsa estava cheia para variar, mas nada de especial. Carregamos junto com os objetos, nossas preocupações e neuroses. Como podemos nos delatar o tempo todo para os outros. [...]
#5
[...] Começei guiando Fábio de dentro do Centro Coreográfico, sem falar, apenas respirando e segurando-o pelo ombro. Depois de sair do elevador e do prédio, paramos no parquinho da entrada. A tarde caia, tinham nuvens amareladas no céu. Fábio não podia ver, mas podia sentir a tarde caindo [...]
No meu momento de ser guiada, vivenciei muitas coisas: segurança na insegurança. Andar no escuro total, só ouvindo os sons que pareciam me engolir (principalmente do trânsito), foi difícil [...]
Depois dos memoráveis, café e relatos, me ocorreu uma frase do livro "A Água e os Sonhos" de Bachelard:
“Os acontecimentos mais ricos ocorrem em nós muito antes que a alma se aperceba deles. E quando começamos a abrir os olhos para o visível, há muito que já estávamos aderentes ao invisível.” (D’ANNUZIO apud BACHELARD, 2002, p. 18)
#1
[...] Esvaziamos eu e Fábio nossas bolsas sem falar nada, só olhando e sorrindo. Minha bolsa estava cheia para variar, mas nada de especial. Carregamos junto com os objetos, nossas preocupações e neuroses. Como podemos nos delatar o tempo todo para os outros. [...]
#5
[...] Começei guiando Fábio de dentro do Centro Coreográfico, sem falar, apenas respirando e segurando-o pelo ombro. Depois de sair do elevador e do prédio, paramos no parquinho da entrada. A tarde caia, tinham nuvens amareladas no céu. Fábio não podia ver, mas podia sentir a tarde caindo [...]
No meu momento de ser guiada, vivenciei muitas coisas: segurança na insegurança. Andar no escuro total, só ouvindo os sons que pareciam me engolir (principalmente do trânsito), foi difícil [...]
Depois dos memoráveis, café e relatos, me ocorreu uma frase do livro "A Água e os Sonhos" de Bachelard:
“Os acontecimentos mais ricos ocorrem em nós muito antes que a alma se aperceba deles. E quando começamos a abrir os olhos para o visível, há muito que já estávamos aderentes ao invisível.” (D’ANNUZIO apud BACHELARD, 2002, p. 18)
Dia de trabalho com Fábio Honório e André Bern |
sábado, 3 de novembro de 2012
Memorável
O memorável é escrito com um verbo no infinitivo.É um convite e não uma ordem.
O vento tornou-se um memorável, que continuo praticando.
#15:
Sempre que me encontrar com o vento
diminuir o ritmo, as minhas passadas.
Fonte: http://senhadeacesso.wordpress.com/category/memoraveis/
O vento tornou-se um memorável, que continuo praticando.
#15:
Sempre que me encontrar com o vento
diminuir o ritmo, as minhas passadas.
Fonte: http://senhadeacesso.wordpress.com/category/memoraveis/
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
O Vento .....
Ando presa ao vento,
aérea, confusa ….
É uma ligação que
veio
se estabelecendo
lentamente.
Tive vontade de voar,
acompanhei borboletas,
me perdi em balões coloridos.
Eles entraram em meu
corpo,
um não, muitos.
Eles me fazem flutuar,
acalmam minhas tensões.
As vezes eles estouram
e liberam grande
quantidade de ar,
que extravasa pelos
meus poros.
Vento do lado de fora,
ar do lado de dentro,
no meio disso tudo, eu
revolvida, desnorteada,
mas tão cheia
que só posso sorrir,
ouvir o vento, ouvir o
mar,
me embalar no seu ritmo
e na sua tensão.
Sensação de boiar no
infinito,
caminhar na lua.
É outra forma de
viver,
de olhar, de sentir,
ventando, soprando,
arejando voando.....
Este também pertence ao "Cantinho do Senha"
Fonte das Imagens:
Imagem 1: http://highlike.org
Carlos Amorales - Black Cloud
Imagem 2: http://highlike.org
Charles Wilkin
sábado, 29 de setembro de 2012
O Movimento sem Face de Gabriela Alcofra
O vento leva, remexe, troca as coisas de lugar. Refresca o corpo,
refresca a alma; bagunça o pensamento numa brincadeira sútil e
lúdica.
Entrar no teatro e ver o vento, trouxe muitas sensações e
recordações. A cortina balançando na janela levou-me para outros
lugares, vieram lembranças, poéticas saudades. O tecido não
parava, o pensamento também não, ou seria o sentimento? O som do
ventilador ligado afirmava a sensação do vento na imaginação. O
vento me fez sonhar, tirou-me o peso da gravidade do dia e colocou-me
em um estado de contemplação. Cena bela que inicia o trabalho
coreográfico de Gabriela Alcofra, intitulado “Movimento sem Face”.
Minha primeira reflexão foi sobre o olhar do artista, que consegue
encontrar poesia nos elementos mais simples da vida; que consegue
elaborar ações humanas a partir da aridez do nosso convívio
social; que consegue provocar politicamente, e transformar os
materiais mais diversos em uma nova significação.
As elaborações artísticas não tem uma direção clara e continua;
e para cada criador abrem-se horizontes com múltiplos caminhos. Nos
trabalhos autorais que tenho oportunidade de ver, percebo a
fidelidade do artista às angustias que surgem no dia a dia.
Perseguindo os incômodos que surgem, trilham um caminho de
questionamento do ser e fazer, caminho verdadeiro e sem conforto.
Gabriela constrói uma cena leve e delicada, que se transforma com
sua presença e seu movimento. Percorrendo o espaço cênico em
deslocamentos variados e com diferenças de densidades, vai
questionando a leveza do vento e a liberdade do corpo.
Liberdade é uma ideia que surge ao longo das cenas – a liberdade
da janela, do vento, do movimento e do corpo que vai sendo castrado,
revelado e coberto. Essa dualidade de estados me fez lembrar de
Cecília Meireles que diz,: “Liberdade é uma palavra que o sonho
humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que
não entenda.” Em nossa sociedade, um sonho que se faz ilusão,
palavra estéril repetida tantas vezes, que nem sempre frutifica
caminhos, mas que é alimentada coreograficamente.
O corpo de Gabriela parece viver intensamente o desejo por essa
liberdade entendida e perdida. Surge um questionamento do corpo, que
vive sentimentos múltiplos e dialéticos. A cabeça em movimento
liberado pelo espaço parece buscar respostas, mas desnorteia o corpo
e o próprio caminho. O figurino vai se modificando, numa inspiração
de sensualidade e realidade de castração. O sonho do início
transforma-se em dura realidade, o corpo é sacudido e
aprisionado, é agora um
corpo sem face com as implicações dessa ausência.
Um véu surge, e traz a sensação de sufocamento. Na ação de
torcer o véu, o rosto adquire contornos, revela uma existência que
é física, material e simbólica. A torção do véu parece
comprimir a vida em um movimento mecânico e denso. A castração
surge como resultado de uma amarração poética em um novo corpo
construido a partir das relações de liberdade verdadeira, vigiada e
reprimida.
Olhando a vida, o artista faz escolhas e as vezes nessas escolhas
surgem elementos da própria vida que vão embalando a obra. O
artista é um eterno questionador
com sua percepção e seu sentimento aflorado. Questiona a vida, a
sociedade, a arte e sua produção também. Falando sobre a sua
construção, Gabriela destaca uma inquietação percebida no próprio
fazer da Dança Contemporânea. O rosto e sua expressão, ou a falta
dela, levou-a a pensar sobre a neutralidade (seria nulidade?) que
conduz os corpos, os movimentos e os conteúdos trabalhados
cenicamente na nossa era contemporânea.
Longe da estrutura narrativa tradicional, a Dança Contemporânea não
é esvaziada de temas e conteúdos, eles estão presentes de outra
forma, talvez acompanhando a sociedade que se apresenta de forma
segmentada, desconstruída ou simplesmente reformulada e repaginada.
Da observação do rosto e da expressão, o seu trabalho de pesquisa
foi ampliando-se e alcançando estruturas culturais diversas
da nossa vivência. O contemporâneo questionado alcançou o
tradicional de uma sociedade distante,
e pensando em tradição, o corpo é a nossa maior tradição.
Nosso corpo continua sendo o que era para nossos ancestrais, comunica
gestos culturais que não se perderam com a ausência
de nossa manifestação social e política. Ele continua contando
histórias em segredo, exteriorizando sensações e emoções que as
vezes ainda não irromperam na consciência.
O corpo sem face encontra uma outra forma de comunicar,
potencializando partes outrora discretas. Gabriela , e seu corpo sem
face, encontra movimento, encontra a poesia necesária para dar forma
as angústias e as emoções, transformando a vida.
O crédito das fotos do espetáculo são de Diana Sandes
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
"Cantinho do Senha"
Este foi escrito para o carinhosamente chamado "Cantinho do Senha"
Pedaço
Existem pedaços de mim,
pedaços da minha vivência / experiência espalhados pela linha do
tempo,
são tantos,
afinal, eu também sou muitas,
me transformo ao longo dos dias, ao longo dos anos,
ao longo do MEU tempo.
Seria possível destacar pedaços de mim como memórias?
O que surgiria daí?
?
?
?
pedaço – matéria
pedaço – sentimento
pedaço – pensamento
pedaço - sonho
pedaço – outro alguém
pedaço – eu mesma
.
.
.
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
A arte no mundo, a arte na vida,
A arte é inexplicável!
Ela exige um confronto com nossa realidade mais íntima,
remexe conteúdos adormecidos, desconhecidos....
ela tráz e exige uma melhoria de nós mesmos.
Neste encontro, do indivíduo com a obra,
é preciso evitar mediações, disfarçes e fugas.
É preciso deixar-se penetrar, permitir-se ser afetado,
contaminado, transformado.
Mesmo que seja confuso, estranho, doloroso...
É nesse encontro, nessa permissão,
nessa transformação,
que nos fazemos inteiros,
humanos.....
quinta-feira, 2 de agosto de 2012
Jogo Sem Objetos
Estréia amanhã no Sesc Copacabana, no Rio de Janeiro, o espetáculo "Jogo sem objetos" que é o resultado de um processo de pesquisa e criação que Giselda Fernandes vem desenvolvendo há algum tempo, na elaboração das suas inquietações, práticas e reflexões.
Em abril, Giselda apresentou um trecho deste processo que já se desenvolvia e as suas inquietações reverberaram em mim em reflexões que materializei em um texto "Ser objeto e também sujeito". Aproveito a estréia do espetáculo para destacar o texto e oportunizar novas leituras.
Ser objeto e também sujeito
Sempre me maravilho ao ouvir e presenciar um processo em criação. É
um momento onde é possível compartilhar universos em ebulição;
perceber as dúvidas como possibilidades de caminhos; é ver obras em
processo de gestação. Nessa escuta é possível vislumbrar a busca
do artista em sua tentativa de reconhecer e entender sua ação
artística, sua ação humana e as incursões do seu inconsciente.
A obra de arte, na maioria das vezes, surge a partir de uma
inquietação, algo que persiste, metaforicamente, prende o olhar
numa atitude magnética desdobrando o objeto interessado, a intenção
ou a inspiração por horas, dias e tempos. Para o artista é uma
'busca sincera', é uma perseguição que às vezes não acaba nunca.
Vi essa perseguição na respiração de Giselda Fernandes, na
apresentação do seu processo, no discurso do seu fazer, na
enumeração dos objetos que viram material de pesquisa, viram
objeto-partner, viram corpo-objeto e objeto-corpo.
Giselda Fernandes, é coreógrafa, bailarina, professora, produtora e
juntamente com Hilton Berredo, dirige o trabalho da “Os Dois
Companhia de Dança”. A companhia tem como característica a união
das artes visuais com a dança utilizando como elemento de
comunicação entre as duas áreas artísticas, objetos cotidianos. A
pesquisa com objetos traça um caminho de parceria, ou partner
segundo conceito desenvolvido por Giselda, parceiros da ação, do
movimento e do momento artístico. Partner na dança é o outro que
está inteiramente comigo. Ele é a individualidade que divide a
cena, os movimentos, o suor, e os imprevistos; que dá apoio, dá
segurança e complementa a forma numa cumplicidade onde o duplo se
torna um.
Quando conheci Giselda e entrei em contato com o seu conceito
“objeto-partner”, achei o termo poético pela ressignificação
do objeto, que deixa de ser simplesmente um elemento cênico para se
tornar sujeito do trabalho artístico.
Explorando materiais diversos, Giselda já trabalhou com bancos,
garrafões de água mineral, sacolas plásticas, vassouras e agora em
um novo momento de sua pesquisa, constrói uma relação que
extrapola no corpo como objeto; como objeto presente no corpo, mas
materialmente ausente. Ainda existe o banco, ainda existe o garrafão,
mas as propostas e intervenções se aprofundam deixando à vista a
inquietação ainda presente e que busca novas formas de questionar o
corpo-objeto-corpo.
Em cena estão os bancos e os garrafões. Os bailarinos executam
ações que podem se relacionar aos objetos. Sentam no chão, sentam
no outro, tem sua ação de sentar transformada por outro corpo,
tornando-se objeto. Em outro momento mudam de papel e manipulam o
outro, num jogo que se desenvolve pelo espaço cênico. Os bailarinos
em um momento executam ações de manipular o outro (feito objeto), e
no momento seguinte são manipulados (tornado objeto). As ações de
sentar e se equilibrar que existiam na pesquisa inicial com os
objetos cotidianos, são realizadas agora nos corpos. A ação se
deslocou da relação com o objeto para um sujeito, que não
transparece emoção ou sensação nas várias situações que
experimenta e vive no seu corpo (dominador e dominado). Mesmo com a
ausência da emoção visível dos bailarinos, pude construir textos
e histórias para aquelas ações que se desenrolavam. Penso que
Giselda insiste na nulidade do sentimento dos bailarinos para que não
se construa uma dramaticidade pessoal; mas essa dramaticidade existe
na presença viva do bailarino, e é passada ao objeto. Cria-se um
novo corpo, corpo-objeto e isso implica um novo ser, não há a
ausência do sujeito, mas sim um acréscimo na sua existência.
O movimento tem a capacidade de revolver o fundo de nossas almas;
como o rio que também revolve a areia depositada no seu fundo.
Acredito ser um exercício intenso ser revolvido pela ação
artística e suprimir a humanidade que normalmente explodiria pelos
poros, pelo olhar e pela respiração. Lembro nesse momento da
Performer sérvia Marina Abramovic que em alguns de seus trabalhos
sustenta a ação muitas vezes sem deixar transparecer uma emoção,
uma intenção, que acredito existir na água que se mistura a areia.
Como fica o sujeito - individuo nessa ação? Ele pretende tornar-se
objeto?
Na cena final do trabalho apresentado por Giselda, um bailarino
exerce uma intensa (mas poética) ação com dois bancos. O esforço
visível do seu corpo na construção da relação com o objeto,
parece um flerte com um novo corpo e toda a construção de uma nova
relação, com imposições e cessões.
A relação foi construída, a humanidade preservada e o abandono do
corpo no final, parece glorificar o conceito de partner.
Sinto transformações no caminho criativo de Giselda. Se antes ela
dialogava com o objeto que impunha limitações e desafios em sua
materialidade; agora percebo uma transferência para o sujeito que se
permite viver como objeto com todas as suas características.
Que a inquietação continue gerando ressonâncias.
quinta-feira, 26 de julho de 2012
“Da raiz, a seiva sobe pelo artista, desliza-lhe por dentro, desliza até
os olhos. O artista é o tronco da árvore. Vencido e ativado pela força
da corrente, converge a sua visão para sua própria obra ... Não faz nada
além de recolher e transmitir o que surge do profundo. Ele não serve
nem manda, mas transmite. A sua posição é humilde. E a beleza final não é
sua, é somente passado através de si próprio.”
Paul Klee
terça-feira, 24 de julho de 2012
A Criação Artística com Rilke e Bausch
Sempre que assisto a algum espetáculo que me afeta, penso no quanto
pode ser rica e simbólica uma obra de arte. O poder de comunicação
nesse caso vai ao extremo, vai além da nossa articulação
linguística.
Uma vez ao sair do teatro ouvi uma pessoa que dizia: “Não entendi
nada, mas gostei p'ra caramba!” Era um espetáculo da Denise
Namura, brasileira radicada na França que tem uma pesquisa valiosa
na dança. Seu trabalho segue o nosso dia-a-dia (nossos amores,
vaidades, iras, loucuras; nossos pequenos gestos e nossas intenções)
de uma forma lúdica, leve e cômica. Penso se ela busca a verdade no
seu trabalho, e se pessoalmente a encontra.
Acredito que um trabalho para comunicar algo, alcançar o público (o
mais distante e o que tem menos afinidade), deve conter elementos da
lacuna que o artista carrega em sua vida. Lacuna que nunca chega a
ser preenchida pois parece se desdobrar em questões.
Rainer Maria Rilke em suas “Cartas a um jovem poeta” diz em
determinado momento: “Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo
que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o
ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor
morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a
si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever?
Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for
afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave
com um forte e simples 'Preciso', então construa sua vida de acordo
com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais
indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso.”
(Rilke, 2011, p. 25)
Levando esse pensamento para a Dança, faria a pergunta: É preciso
Dançar?, e além dela, O que devo Dançar?
Além das preocupações técnicas e dos floreios, uma das coisas
mais difícieis no processo de criação, é a decisão do que mover,
para onde e quanto. Quanto me basta para exprimir uma sensação? Que
movimento posso fazer que seja verdadeiro para mim e para o público
também? Como limitar o que é necessário? Como sobrepor esta
necessidade aos meus anseios estéticos? Ao sair do filme “Pina”
de Win Wenders, essas perguntas me assaltaram.
Pina Bausch construiu espetáculos belos, poéticos, delicados,
profundos .... verdadeiros. Não conheço seus esboços, seus
rascunhos e suas questões, posso dizer da grandiosidade que sinto ao
assistir seus movimentos; da elevação da minha sensibilidade, do
respeito pela artista que cumpriu com seu caminho. É um sentimento
que beira ao sublime.
Suas obras encantam, falam do invisível que nos rodeia, da magia dos
nossos afetos, da simplicidade da nossa existência. No
texto/discurso dos bailarinos, vemos a Pina humana, generosa, que
movia os bailarinos através de olhares e questões, que dizia uma
palavra, ou não dizia nada; e isso fazia toda a diferença para
eles.
Talvez Pina comungasse dos questionamentos de Rilke, e indo além do
“É preciso escrever?”, e “É preciso Dançar?”, ela
acrescentasse “É preciso Calar?”
Conduzir um processo criativo e despertar a verdade contida nos
cantos mais profundos da alma humana, é uma atitude difícil. Qual
seria a medida nessa avaliação? O sentimento, a percepção?
Algumas palavras brincam no meu pensamento: risco, intuição e
confiança. As palavras se misturam e surge arriscar o risco, risco
na intuição e confiança arriscada. Na criação não existe
certeza, conforto e comodidade; existe a dúvida, o medo e a
insegurança. O artista se guia pelo risco, pela intuição e tenta
sentir confiança pelas sugestões que vão aparecendo.
Na Psicologia Analítica, Jung descreve o inconsciente como produtor
de imagens e sugestões que alcançam o consciente.
O inconsciente move o material simbólico e este muitas vezes se
materializa nas obras de arte, alcançando extratos arcaicos comuns a
humanidade. É o que faz uma obra de arte sair da categoria
“estética” para a categoria”simbólica”. É o que traz o
engrandecimento do público, na fala de que gosta, mas não sabe
porque gosta. É a sensação de sublime em Pina Bausch. É a verdade
proposta por Rilke.
A obra de arte simbólica afeta o artista, afeta o outro, preenche a
existência e descobre as certezas, numa ampliação da própria
vida.
quinta-feira, 19 de julho de 2012
Texto e Imagens de Construção coreográfica
Ainda sobre o processo de criação e construção na
comunidade Vila Sapê, compartilho o texto construido a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente e das conversas sobre o dia-a-dia das crianças integrantes do projeto. As imagens que se seguem ao texto fazem parte dos dias de montagens e ensaios da coreografia "Vela".
Direitos e
Deveres
Nossas mãos recebem
a vida, preparam o amanhã através do que fazemos hoje.
Nossas mãos
suportam o mundo, trabalham e ensinam. São as mesmas que mandam,
obrigam, proibem e batem...
Essas mãos nos
dizem constantemente o que fazer, reforçam e repetem os nossos
deveres
Mas porque só
deveres? Deveres, deveres, deveres ….
Porque só o que
devemos e não o que podemos?
Somos crianças, e
temos não só deveres, mas direitos também.
Eu tenho direito à
vida e tenho o dever de preservar a vida do meu próximo.
Eu tenho direito à
saúde e tenho o dever de não provocar doenças e machucados nos
outros.
Eu tenho direito à
liberdade, sou livre e não mais escravo.
Eu tenho direito ao
respeito e a dignidade e tenho o dever de respeitar os mais velhos,
meus professores, pais e amigos.
Eu tenho o direito à
convivência familiar e comunitária e tenho o dever de não
discriminar e nem tratar os outros com preconceitos.
Eu tenho direito ao
esporte e ao lazer, tenho o direito de brincar e jogar bola.
Eu tenho direito à
ter um registro para ser reconhecido como pessoa e assim cumprir com
todos os meus deveres.
Eu tenho direito à
Educação, à cultura, tenho o direito de estar na escola e
aprender.
Eu tenho o direito
de ser eu mesmo e não ser o que os outros querem que eu seja; e
tenho o dever de lutar por mim.
Conhecendo os meus
direitos e deveres compreendo melhor o mundo e contribuo para que a
vida seja melhor.
Dessa forma encontro
amigos, amigos verdadeiros que me ajudam a melhorar, progredir e
aprender cada dia mais.
Amigos que estejam
comigo não só na hora de brincar e bagunçar, mas também na hora
de estudar e nas horas difíceis.
Amigos que vejam os
meus erros e me ajudem a superar os problemas que posso criar.
Amigos que me
respeitem que me aceitem como sou e que me amem como parte da própria
vida.
Ensaio coreografia "Vela" |
Ensaio coreografia "Vela" |
terça-feira, 17 de julho de 2012
Imagens do processo de Criação em Vila Sapê
sábado, 9 de junho de 2012
Dança – Arte – Educação em Vila Sapê
Dança – Arte – Educação em Vila Sapê
Relato de Experiência
Resumo
O primeiro desafio que vivenciei como professora formada aconteceu na
comunidade “Vila Sapê”, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro,
no projeto “Oficina da Criança”.
Desenvolvido pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, o
projeto atendia crianças de sete à quinze anos no contra turno
escolar, em uma casa que se localizava no centro da comunidade.
Meu desafio foi construir um projeto de Dança que atendesse os
anseios de movimentos das crianças; que atuasse de forma educativa,
equilibrando as capacidades físicas e coordenativas; que gerasse
conhecimento, consciência e autonomia, através das escutas, das
discussões, dos colos e afetos; e por fim, que culminasse em um
produto artístico, solicitação da gestão do projeto.
O texto a seguir é um relato deste percurso de construção e
desconstrução, conhecimento e dúvidas, percepção e
conscientização, evolução e aprendizado. Num processo mútuo de
vidas que se entrelaçaram, aqueles foram dias de intensidades:
emocionais, sociais, econômicas e afetivas.
Relato de Experiência
sexta-feira, 8 de junho de 2012
Correção
Rodrigo Maia é coordenador do Projeto Fronteiras e não curador como descrito no texto "Para Rodrigo Maia: Algumas reflexões". Perdão pela confusão de funções.
quinta-feira, 10 de maio de 2012
Ciclo de Encontros
O ciclo de encontros encerrou esta fase de atividades em torno da pergunta 'Como nos mobilizamos?' no dia 19 de abril, no Centro Coreográfico do Rio de Janeiro, com as presenças de Rosa Coimbra, Diana de Rose e Dani Amorim. O relato crítico feito por Victor Costa já está dísponivel e o link encontra-se na postagem sobre o Ciclo de Encontros.
quinta-feira, 3 de maio de 2012
Ciclo de Encontros
Atualização:
Já está atualizada a postagem do Ciclo de Encontros com o acréscimo do relato crítico de Rodrigo Bernardi que esteve presente na penúltima noite de conversas. A mesa deste dia foi composta por João Saldanha, Denise Aquarone e Gustavo Ciríaco em torno da pergunta 'Como nos profissionalizamos?'
Já está atualizada a postagem do Ciclo de Encontros com o acréscimo do relato crítico de Rodrigo Bernardi que esteve presente na penúltima noite de conversas. A mesa deste dia foi composta por João Saldanha, Denise Aquarone e Gustavo Ciríaco em torno da pergunta 'Como nos profissionalizamos?'
quinta-feira, 26 de abril de 2012
Para Rodrigo Maia: algumas reflexões
“Para Rodrigo Maia: algumas reflexões"
Imagem do segundo dia do Encontro Por onde Circulamos? |
Senti que o tema da palestra “Por onde circulamos” do Ciclo de
Encontros da Dança Carioca, acabou se encaminhando para uma
discussão do fazer em dança (social, pessoal, comunicativo,
artístico) que também tem seu valor; e pessoalmente gosto de ouvir
os artistas na reflexão sobre a sua prática.
Tenho pensado muito sobre a questão do nosso fazer contemporâneo.
Não acho que ele é qualquer coisa, e nesta reflexão discuto com
minhas proposições, com as obras que vejo, com os textos que leio
nas mais variadas áreas e sobre o que escuto do público e dos
artistas. Fico triste quando escuto algumas colocações como “[...]
muito contemporâneo demais [...]” ou “[...] fazer algo mais
digerível [...]”, mas também entendo que viver e entender a nossa
era, não é fácil.
Vivemos uma fase histórica, tecnológica, humana e artística que
não se apoia em muitas leis e regras. Não estamos sob um paradigma,
mas alguns paradigmas e talvez por isso a variedade da produção de
conhecimento pareça em alguns momentos caótica e em outros momentos
superficial e vazia. É difícil determinar os princípios e limites
quando essas fronteiras se tornam permeáveis e não conseguimos
manter a pureza de nossas propostas.
O primeiro ponto que assumo na minha forma de viver e de construir o
meu fazer artístico, e que penso ser o reflexo de nossa época, é o
pensamento transdisciplinar.
A Carta de Transdisciplinaridade adotada no Primeiro Congresso
Mundial da Transdisciplinaridade, em Convento de Arrábida, Portugal
, em novembro de 1994; propõe três pontos chaves: rigor, abertura e
tolerância.
O rigor consiste no conhecimento profundo e crítico do que se faz,
não é superficial e não é qualquer coisa. A abertura permite a
flexibilidade na leitura do mundo e das propostas, visualizando novas
formas de se construir o conhecimento e sem a fixação dos limites
de cada área. Por fim, a tolerância tráz respeito a visão e
produção do outro, mesmo que esta produção não me afete e não
responda aos meus questionamentos. A verdade assume um carater
diverso.
Mas por que falei disto tudo?
Para justificar meu olhar sobre a produção contemporânea em dança
que é tão diversa quanto a nossa época, e bastante criticada por
pessoas que não percebem esta abertura e nem possuem esta
tolerância. Tolerância e abertura que gerou a diversidade dos
Festivais, Projetos e Eventos de dança, foco do encontro “Por onde
circulamos?”
Dois eventos foram representados e citados: Projeto Fronteiras e o
Entrando na Dança (que faz parte do Festival Panorama), diferentes
em sua essência, mas únicos na proposta de divulgação de uma arte
vivida pesquisada e experimentada.
Rodrigo Maia coordenador do Projeto Fronteiras citou quatro elementos
importantes do projeto: vínculo, continuidade, potencialização e
desdobramento.
O Fronteiras se desenvolve em cidades diferentes aproveitando a
diversidade das cidades e culturas e levando propostas artísticas
com objetivos diferenciados. O formato do projeto permite que se
estabeleça vínculos entre os artistas envolvidos numa troca
generosa. Os artistas dividem casas disponibilizadas para as
estadias, as refeições, momentos de conversa, confraternização,
sono e momentos de reflexão.
A continuidade do projeto em cidades/países diferentes divulga um
fazer da arte que pode ser oferecida às comunidades locais de
diversas formas. Espetáculos nas ruas ou espaços alternativos,
oficinas em escolas, presídios e outros lugares numa democratização
do conhecimento e troca de experiências que se torna uma atitude
política. Essas ações potencializam o artista, pois ampliam a sua
experiência (voltando ao trio transdisciplinar, rigor, abertura
tolerância) e consequentemente sua atuação
no mundo, provocando desdobramentos em novos caminhos
artísticos.
Carla Strachmann responsável pelo Entrando na Dança falou da
promoção do acesso dos produtos artísticos para um público que
não seja específico de dança, levando espetáculos à lonas
culturais e bairros distantes dos centros de promoção e divulgação
artística.
Muito da conversa da noite tendeu para um caráter social ou não da
produção artística e não acredito nessa “fôrma”. A arte é o
que é, ela pode alcançar o social pela abordagem política de temas
e situações; pela reflexão que pode provocar, mas não acredito
que um trabalho que se desenvolva já querendo se moldar ao social
realize plenamente este papel.
Não é preciso pertencer ao meio artístico para que se goste de
Arte, de Dança, de Dança Contemporânea, ou para que se sinta
tocado por uma obra. A obra precisa comunicar, precisa estabelecer um
canal de troca com o público, e esse canal nem sempre é fácil de
se descobrir e acessar.
Denise Stutz, que também fazia parte da mesa de debates, falou sobre
a comunicação com o público, da intenção desse foco em seu
trabalho e das experiências que viveu e tem vivido com seus
espetáculos. Em suas palavras “[...] circular em direção ao
outro [...]”.
Muitas das vezes a abertura e a tolerância não praticada no dia-a
dia, é parte do indivíduo que não vê a obra dentro da sua
construção de mundo e de verdade. É preciso então rever a
humanidade, perceber as colocações e críticas que se fazem e
tentar flexibilizar os conceitos para que se alcançe uma maior
amplitude artística e da própria vida. Talvez seja uma tarefa para
se começar nas escolas, em uma educação que vá além da 'educação
para a arte', para se tornar 'educação para a vida'.
Tomando-me como exemplo, que estudo, pesquiso e crio dentro do que se
chama Dança Contemporânea; já tive oportunidade de assistir
trabalhos que às vezes não me comunicam e nem me afetam. Mas tento
exercer minha abertura e tolerância no respeito à obra construída.
Seguindo o pensamento, e a generosidade, de Jung, percebo que as
inquietações do outro nem sempre são as minhas; as soluções do
outro também não necessariamente são as minhas, mas são parte da
nossa era, da nossa produção contemporânea de pensar, produzir,
sentir e dançar …..
Para finalizar gostaria de citar uma série de programas realizado pelo Instituto Itaú Cultural do Brasil com consultoria de Jorge Coli, Professor de História da Arte e Cultura da UNICAMP,
intitulado Obra Revelada. A proposta do programa é convidar pessoas
que não tem formação específica em Artes Visuais, para falar sobre uma
obra de que gostam. É tocante o depoimento de Adilson de Souza,
funcionário da Pinacoteca do Estado de São Paulo em sua fala sobre
uma obra do acervo permanente: “Ventania” de Antônio Parreira.
Embora não seja catalogada como Arte Contemporânea, é um exemplo
de como a Arte pode tocar, comunicar, afetar e alterar a vida; com
rigor, abertura e tolerância.
Para assistir ao vídeo Clique aqui
Grupo de Pesquisas em Artes Corporais
Grupo de Pesquisas em Artes Corporais
Já com um ano de existências o GPAC desenvolve pesquisas sobre o
fazer na Dança norteando pesquisas em várias áreas. Coordenado
pela Profa. Dra, Maria Inês Galvão Souza e
pela Profa Ms. Isabela Buarque, o grupo tem reuniões
mensais nas salas do Departamento de Dança da UFRJ. Um link
interessante para ler e pesquisar a produção em dança.
"Em 2010, intentando ampliar o entendimento sobre as artes do
corpo, integrando pesquisadores de diferentes instituições de
ensino e campos do saber, criando uma ambiência própria para as
discussões sobre o corpo humano e suas possibilidades de produção
enquanto escritura cênica e/ou cultural, um coletivo de dançarinos,
atores, professores e pesquisadores de diferentes instituições
acadêmicas, formaram o Grupo de Pesquisa das Artes do Corpo, o GPAC.
O GPAC, Grupo de Pesquisa das Artes do Corpo, busca interfaces
entre o corpo e as produções artísticas."
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