A Criação Artística com Rilke e Bausch
Sempre que assisto a algum espetáculo que me afeta, penso no quanto
pode ser rica e simbólica uma obra de arte. O poder de comunicação
nesse caso vai ao extremo, vai além da nossa articulação
linguística.
Uma vez ao sair do teatro ouvi uma pessoa que dizia: “Não entendi
nada, mas gostei p'ra caramba!” Era um espetáculo da Denise
Namura, brasileira radicada na França que tem uma pesquisa valiosa
na dança. Seu trabalho segue o nosso dia-a-dia (nossos amores,
vaidades, iras, loucuras; nossos pequenos gestos e nossas intenções)
de uma forma lúdica, leve e cômica. Penso se ela busca a verdade no
seu trabalho, e se pessoalmente a encontra.
Acredito que um trabalho para comunicar algo, alcançar o público (o
mais distante e o que tem menos afinidade), deve conter elementos da
lacuna que o artista carrega em sua vida. Lacuna que nunca chega a
ser preenchida pois parece se desdobrar em questões.
Rainer Maria Rilke em suas “Cartas a um jovem poeta” diz em
determinado momento: “Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo
que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o
ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor
morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a
si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever?
Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for
afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave
com um forte e simples 'Preciso', então construa sua vida de acordo
com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais
indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso.”
(Rilke, 2011, p. 25)
Levando esse pensamento para a Dança, faria a pergunta: É preciso
Dançar?, e além dela, O que devo Dançar?
Além das preocupações técnicas e dos floreios, uma das coisas
mais difícieis no processo de criação, é a decisão do que mover,
para onde e quanto. Quanto me basta para exprimir uma sensação? Que
movimento posso fazer que seja verdadeiro para mim e para o público
também? Como limitar o que é necessário? Como sobrepor esta
necessidade aos meus anseios estéticos? Ao sair do filme “Pina”
de Win Wenders, essas perguntas me assaltaram.
Pina Bausch construiu espetáculos belos, poéticos, delicados,
profundos .... verdadeiros. Não conheço seus esboços, seus
rascunhos e suas questões, posso dizer da grandiosidade que sinto ao
assistir seus movimentos; da elevação da minha sensibilidade, do
respeito pela artista que cumpriu com seu caminho. É um sentimento
que beira ao sublime.
Suas obras encantam, falam do invisível que nos rodeia, da magia dos
nossos afetos, da simplicidade da nossa existência. No
texto/discurso dos bailarinos, vemos a Pina humana, generosa, que
movia os bailarinos através de olhares e questões, que dizia uma
palavra, ou não dizia nada; e isso fazia toda a diferença para
eles.
Talvez Pina comungasse dos questionamentos de Rilke, e indo além do
“É preciso escrever?”, e “É preciso Dançar?”, ela
acrescentasse “É preciso Calar?”
Conduzir um processo criativo e despertar a verdade contida nos
cantos mais profundos da alma humana, é uma atitude difícil. Qual
seria a medida nessa avaliação? O sentimento, a percepção?
Algumas palavras brincam no meu pensamento: risco, intuição e
confiança. As palavras se misturam e surge arriscar o risco, risco
na intuição e confiança arriscada. Na criação não existe
certeza, conforto e comodidade; existe a dúvida, o medo e a
insegurança. O artista se guia pelo risco, pela intuição e tenta
sentir confiança pelas sugestões que vão aparecendo.
Na Psicologia Analítica, Jung descreve o inconsciente como produtor
de imagens e sugestões que alcançam o consciente.
O inconsciente move o material simbólico e este muitas vezes se
materializa nas obras de arte, alcançando extratos arcaicos comuns a
humanidade. É o que faz uma obra de arte sair da categoria
“estética” para a categoria”simbólica”. É o que traz o
engrandecimento do público, na fala de que gosta, mas não sabe
porque gosta. É a sensação de sublime em Pina Bausch. É a verdade
proposta por Rilke.
A obra de arte simbólica afeta o artista, afeta o outro, preenche a
existência e descobre as certezas, numa ampliação da própria
vida.
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