Atualizações de muitos ensaios
14 de outubro
Abri o caderno de Fábio a esmo, e sem ler nada pensei: não posso abri-lo de qualquer jeito, é o Fábio. Começei
a pensar desde quando conheço Fábio. Faz tempo! [...]
Lendo
os escritos de Fábio, duas coisas me chamaram a atenção: a letra dele,
extremamente bonita; e vários dias onde ele identifica a data começando
com Rio 40°. Me lembra toda luminosidade e verão que tanto gosto. [...]
Fábio fez três disciplinas comigo [...]
"Boa
prova, usou uma movimentação própria. Deformação de pequenas partes em
contatos diferentes dos membros superiores. Em alguns momentos explorou a
deformação a partir das linhas geométricas. A sequência ficou bonita e
interessante".
18 de outubro
Levei a concha para André e Aluísio
ouvirem o som do mar. É muito bom fechar os olhos e escutar um misto de
silêncio e eco, um misto que lembra as ondas em alto mar. Sempre
imaginei assim. [...]
Um vento entrou na sala no momento em que fazíamos a sequência, batendo portas e janelas...
Uma bola avançou sobre nós no meio da sala, desviamos dela que atravessou a sala e parou no canto.
Presença!
25 de outubro
A
segunda proposta de André era de que eu cantasse uma música da minha
infância de frente para o ventilador ligado. O pedido de André já formou
um bolo em minha garganta, não sabia se conseguiria executar a tarefa.
Antes de começar, avisei que achava que iria chorar, eu tinha certeza
disso.
André filmou a minha tentativa de canto e o transbordamento
de lágrimas e emoções.
O vídeo pode ser visto no blog Senha de Acesso
Ainda com as impressões e lembranças deste ensaio, escrevi o seguinte texto, sem título:
Silêncio,
tarde ensolarada, quente e clara.
No som, uma voz fala de um lugar distante
areia, mar e o sol....
Tento resgatar o mar
na concha que colo à minha orelha.
Escuto o mar, som forte,
eco de muitas águas, águas profundas,
de alto mar.
Imagino-as escuras e misteriosas.
Um navio cruza o horizonte,
lento e silencioso.
Parece estar em outro tempo, outro mundo.
Olho a tarde novamente, tarde amarelada,
lembra o amarelado do tempo,
cotidiano distante.
Doce lembrança, com sabor de pipa no ar,
biscoito de bichinho, cheiro de padaria,
afeto carregado de carinho, cafuné num colo com saia.
A presença da lembrança,
a voz rouca e antiga,
o som na concha, na música,
no afeto e no coração.
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
domingo, 16 de dezembro de 2012
Processo de Criação: " Biurá - Contas de Sonhos"
A obra de arte não é só o resultado final, mas todo o percurso, as dúvidas, e os anseios que fazem parte do processo.
É difícil precisar onde uma obra começa. Às vezes uma imagem, um sonho esquecido, um descontentamento, tudo isso em reboliço no pensamento, no sentimento e até nas atitudes, podem direcionar um caminho, um desejo.
“[...] o fato que provoca o artista é da maior multiplicidade de naturezas que se possa imaginar. O artista é um receptáculo de emoções.” (SALLES, 2007, pág. 55)
O artista persegue um rumo que é vago, ele nunca sabe onde vai terminar, ele tem a intuição do desejo e trabalha em cima desse objetivo sem saber muito bem onde vai chegar. O desejo nunca é completamente satisfeito e é isso que o move numa busca que não tem fim. A perseguição do desejo acompanha o artista em todas as suas obras e essa perseguição é que faz o artista construir outra, outra, e outra obra. Esse caráter vivo da obra traz um dinamismo ao processo criativo.
“ Só se pode agir livremente sacrificando constantemente outras possibilidades de liberdade; a liberdade constitui-se tanto das escolhas que se deixa de fazer ou que não se pode fazer, quanto das escolhas que efetivamente acontecem.” (SALLES, 2007, pág. 64)
SALLES,
C. A. Gesto Inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 2007.
Fotografias tiradas durante a Residência Artística no Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro, pertencentes ao processo de criação do espetáculo, "Biurá - contas de sonhos".
Crédito das fotos: Aline Teixeira
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
O Inconsciente
Masque, sem data. |
O inconsciente é fonte de sentimentos, imagens, criações e carrega um universo de mistério e invisibilidade. No entanto seu alcançe e seu poder envolve toda possibilidade de desenvolvimento e existência inclusive as mais doídas, solitárias e mortíferas. Ele possui em sua essência essa dualidade de vida e morte: pode ser delicadamente criador e poderosamente destruidor.
Sinto uma ligação muito forte com essa instância e coloquei minha criação a cargo dessa imprevisibilidade que não sei se posso controlar, mas sinto uma necessidade de me arriscar nessa jornada.
Sempre que retorno a esquizofrenia e os estudos sobre doenças mentais, é como se me aproximasse de uma areia movediça que parece me tragar para o seu interior, com o peso de uma morte.
Pensando sobre o processo de esquizofrenia de Nijinsky, lembrei de seus desenhos que compartilho aqui. Esses desenhos foram feitos em um momento desesperador, de tentativa de dizer algo que ele mesmo não compreendia. Redigia seu diário e traçava formas, talvez precisando dar voz ao turbilhão que o atormentava e o dominava.
Figures géométriques , sem data. |
Portrait de femme, en buste, avec une coiffure en pain de sucre, sem data. |
Danseuse, ou Le Dieu de la danse, sem data. |
Fonte dos desenhos:
Nijinsky, catálogo da exposição, "Éditions de la Réunion des musées nationaux", 2000, Paris.
“Cada um desses indivíduos – esquizofrênicos ou marginais de vários gêneros – possui suas peculiaridades, mas todos têm contato íntimo com as forças naturais, brutas, virgens do inconsciente. Que hajam configurado visões, sonhos, vivências nascidas dessas forças primígenas, eis um dos mistérios maiores da psique humana.”
Nise da Silveira
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