Nijinsky - 1912 |
Breve histórico da trajetória de Nijinsky
Nijinsky, bailarino e coreógrafo do início do Século
XX teve sua formação na Escola Imperial de Dança onde já se
destacava como bailarino, mas foi nos Ballets Russos de Diaghilev que
se tornou um mito “o deus da dança, o Vestris do norte”,
primeiramente por sua habilidade técnica e a seguir por suas
criações. Vindo de uma
formação acadêmica na tradicional Escola Imperial de Dança,
contrariou sua linguagem corporal coreografando de forma audaciosa,
transformando a concepção de dança e de movimento.
Sua inovação foi motivo de muita discussão na época,
e ainda hoje causa curiosidade não só no cenário da dança
contemporânea, mas também no teatro com sucessivas releituras de
suas obras, e criações de outras com objetivo de tentar compreender
seu pensamento criativo.
Nijinsky teve influências e contatos com concepções
diferentes de arte e de vida na convivência com Rodin, Stravinsky,
Ravel e Bakst. A estas se somaram outras influências como o ambiente
da época e autores pelos quais se interessava como Tolstoi,
Dostoievsky, Tchekov e Nietzche.
Os Ballets Russos de Diaghilev, que tinha Nijinsky como
sua estrela maior, representavam a modernidade, foi a primeira vez
que artistas de várias áreas (plásticas, música, etc) criavam
para uma companhia de dança levando esta a um relacionamento com
outras artes outrora inexistente.
“A meta de seu grandioso balé era produzir uma
síntese – de todas as artes, de um legado da história e uma visão
do futuro, do orientalismo e ocidentalismo, do moderno e do feudal,
de aristocratas e camponeses [...]” (EKSTEINS, 1992).
“[...] a beleza plástica de seus espetáculos, seu
apelo à libretistas e artistas da mais alta qualidade, o valor de
seu grupo e, em particular, de seus solistas, provocaram o choque da
surpresa [...]” (BOURCIER, 1987).
Esta integração entre as artes, caracterizou o fim do
Século XIX como a busca da obra de arte total. Diaghilev
era um mecenas e sempre estava rodeado de artistas de vanguarda que
atuavam junto a companhia. Nijinsky, por
ser o destaque da companhia, e por seu relacionamento com Diaghilev,
estava sempre presente aos encontros e jantares onde se discutiam os
resultados e rumos dos trabalhos vivenciando esta atmosfera de
modernidade.
No início de sua carreira, Nijinsky esteve ligado a
Fokine, professor e coreógafo da Escola Imperial, que foi também
coreógrafo de Diaghilev. Fokine proporcionou a Nijinsky “[...]
dançar com toda a sua alma, usando cada parte do seu corpo [...]”
(NIJINSKY, 1948) e essa abertura pode ter despertado uma
conscientização das potencialidades corporais e da rigidez da
técnica clássica. “Fokine havia liderado o abandono das
convenções do balé clássico, ao cortar passos brilhantes e
virtuosismos e enfatizar a interpretação da música.” (EKSTEINS,
1992). Segundo Fokine: “A dança não precisa ser um
divertissement. Não deve degenerar em simples ginástica. Deve de
fato ser o mundo plástico. A dança deve expressar “[...] toda a
época a que o tema do balé pertence.” (BEAUMONT, 1935 apud
EKSTEINS, 1992).
Nijinsky em Petrouschka - 1911 |
Isadora Duncan foi outro nome importante da dança no
início do Século XX por sua tentativa de liberação do corpo da
rigidez da técnica clássica. Embora tenha sido menos revolucionária
do que pretendia, a importância de Isadora cabe a difusão da
rítmica de Dalcroze e de uma nova concepção de corpo. Nijinsky não
teve influência direta de Isadora, já que ele não aprovava a
improvisação que fazia parte da sua dança, e por ele acreditar ser
muito importante para a formação de um bailarino possuir uma
Escola, o que ela negou. Para Nijinsky, Isadora Duncan e Michel
Fokine tinham fracassado na tentativa de evoluir a dança, dando
importância à graça do movimento e a utilização dos movimentos
circulares. (NIJINSKY, 1948)
“Foi Nijinsky quem realizou, como disse o Times de
Londres, a real revolução da dança, contrariando as linhas
circulares do balé clássico, tomava cuidados especiais para tornar
as pontas de seus cotovelos não apenas perceptíveis mas
inevitáveis.” (EKSTEINS, 1992)
Em sua obra coreográfica, utilizou movimentos, formas,
ritmos e concepções diferentes da escola clássica (que foi sua
formação) e inovadores para a época em que foram apresentadas.
Segundo Marie Rambert, discípula de Dalcroze, “ele estava 50 anos
à frente do seu tempo.” (EKSTEINS, 1992). Nijinsky descartou a
graça e a beleza, destacando que todos os passos de dança podiam
ser executados fora da Escola Clássica, desde que sob uma técnica
definida.
“Todo movimento é possível desde que se harmonize
com a sua concepção.” (NIJINSKY, 1948)
No breve período que atuou como coreógrafo (1911 à
1915) criou 4 obras: L’aprés midi dun faune, Jeux, Le Sacre du
Printemps e Tyll Eulenspiegel; sendo a última menos conhecida por
ter sido apresentada no período da 1a Guerra Mundial numa
temporada aos EUA com os Ballets Russes. Há um registro de Romola
Nijinsky sobre uma obra que Nijinsky criou sobre a Guerra no tempo em
que viviam na Suíça e que foi apresentada uma única vez para um público
restrito (NIJINSKY, 1948).
Nijinsky em L'aprés midi d'un Faune - 1912 |
Nijinsky em Jeux - 1913 |
No panorama histórico, é importante ressaltar que
durante seu período criativo, Nijinsky vivenciou os acontecimentos e
a tensão política que se instauraram na Europa e precederam a 1a
Guerra Mundial.
Havia uma rivalidade entre os franceses e alemães, pois
Bismarck, através de uma intriga, provocou uma guerra entre esses
dois países culminando na derrota da França e na perda para os
alemães da Alsácia e Lorena. Assim, no período anterior ao início
do Século XX, qualquer reprodução da música de Wagner, causava
revolta e protesto na França. A Prússia e a Alemanha eram vistas
como “[...] a encarnação do mal, a antítese da França [...]”
(EKSTEINS, 1992), mas uma relação sádica se estabeleceu e a
Prússia e a Alemanha tornaram-se fonte de interesse. “[...] perto
do final do Século XIX, a Alemanha tinha se imposto à consciência
francesa de forma impressionante, nos círculos intelectuais e
políticos, no comércio e na indústria e entre os militares.”
(EKSTEINS, 1992)
No panorama artístico, aconteciam também grandes
mudanças, na música “[...] as composições expressionistas de
Debussy marcaram um movimento numa direção mais experimental, com
suas novas estruturas harmônicas e seu interesse pelos sons em si,
sem referência à melodia. A preocupação de Debussy era mais com
sentimentos delicados, com momentos fugidios do que com as
esmagadoras estruturas harmônicas da escola alemã da época.
Emoções fugazes, fragmentos de sensações, as bolhas de champagne,
eram estes os atributos dos impressionistas, que marcaram uma fase
importante no colapso da música romântica e no movimento em direção
à música interiorizada do expressionismo.” (EKSTEINS, 1992)
Em fins do Século XIX, os artistas depunham contra a
revolução industrial e o que ela trouxe: a mecanização da
produção e o fim das atividades artísticas manuais. Na arquitetura
o vazio que se produzia com a construção de prédios funcionais e o
acréscimo de ornamentos de um ou outro estilo chegou ao limite, e a
consciência do erro que se estavam produzindo começou a ser
sentida. Os arquitetos começaram a testar novos materiais e a tentar
criar uma estética nova utilizando o ferro e as estruturas de aço
das estações de trem. Essa busca passou a se chamar Art Noveau que
não se limitou a arquitetura mas à pintura também. O arquiteto
Frank Lloyd Wright desenvolveu uma arquitetura orgânica que previa
uma harmonia e um planejamento do interior de acordo com as
necessidades dos proprietários e que essa harmonia passaria ao
exterior sem a necessidade de adornos. O nascimento da escola Bauhaus
na Alemanha segue esse princípio, o do funcionalismo. (GOMBRICH,
1999)
“[...] se algo é projetado
rigorosamente para corresponder a sua finalidade e função, podemos
deixar que a beleza apareça por si mesma.” (GOMBRICH, 1999)
É neste cenário turbulento que Nijinsky surge e se
destaca por uma obra inovadora para sua época. Em sua trajetória
recebeu influências de artistas de vanguarda, da vida que se modificava, de novas questões que surgiam no início do século XX, e do seu inconsciente, poderoso nas imagens que se desdobraram em criações artísticas e na cisão que acabou isolando-o da dança em uma vida intensa mas muito breve.
BIBLIOGRAFIA:
ACOCELLA, Joan (ed.). The diary of Vaslav Nijinsky:
unexpurgated edition. New York: Farrar, Straus and Giroux, 1999.
ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma
psicologia da visão criadora. São Paulo: Piomeira, 1997.
ARRUDA, José Jobson. História Moderna e Contemporânea.
São Paulo: Ática,1983.
BOURCIER, Paul. História da dança no Ocidente. São
Paulo: Martins Fontes, 1987.
CAMINADA, Eliana. História da dança: evolução
cultural. Rio de Janeiro: Sprint, 1999.
EKSTEINS, Modris. A Sagração da Primavera. Rio de
Janeiro: Rocco,1992.
GOMBRICH, Ernst. A História da Arte. Rio de Janeiro:
Livros Técnicos e Científicos, 1999.
LABAN, Rudolf. Domínio do movimento. São Paulo: Summu,
1978.
MAGRIEL, Paul David (ed.). Nijinsky, Pavlova, Duncan:
three lives in dance. New York: Da Capo, 1977.
NIJINSKY, Romola. Nijinsky. São Paulo: José Olympio,
1948.
NIJINSKY, Vaslav. Cadernos: o sentimento. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1998.
OSTROWER, Fayga. Universos da Arte. Rio de Janeiro:
Campus, 1983.
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