Com essa frase (extraída do texto do espetáculo), começo a dar
corpo as imagens, reflexões e sensações despertadas pela Companhia
Híbrida de Dança em seu trabalho “estéreos tipos” -vencedor do
prêmio FADA e Klaus Viana da Secretaria Municipal de Cultura.
Em sua proposta artística o espetáculo foi capaz de tocar em muitas
questões e despertar pensamentos na proposição de um fazer
artístico. Não sei se o coreógrafo pensa e se angustia com todas
as reflexões que me vieram durante o espetáculo, ou se minhas
indagações sobre o fazer artístico contemporâneo tem origem só
em minhas inquietações. Com intenção ou não, seu trabalho me
alcançou e me fez perceber uma nova forma de se construir
artisticamente.
A primeira cena produz um estranhamento: um bailarino sentado em uma
cadeira sob uma luz, faz movimentos lentos e pausados em silêncio,
que podem remeter ao universo da cultura hip hop. A repetição
se prolonga e o andamento começa a variar com um acréscimo de
acentos na movimentação. Uma bailarina entra em cena e sua ação
se resume a chupar um pirulito. As duas ações se desenrolam
simultaneamente e se transformam numa deformação de movimentos e
intenções. A cena provoca um deslocamento e uma apreensão pelo que
virá.
No decorrer das cenas, surgem mais bailarinos que dançam, fazem um
trabalho intenso de chão, acrobacias, tudo pertencente ao universo
do hip hop. O texto presente no espetáculo, fala desta
cultura, das suas características, preconceitos, e dos próprios
bailarinos (suas vidas, e suas razões para aderirem a este estilo).
O texto vai se mesclando, misturando frases, palavras, situações,
construindo novos sentidos e novas relações (simbólicas ou não)
que diverte o público.
O hip hop é um estilo de dança com características
próprias. Nascida nas ruas, possui uma urbanidade que traz elementos
da cultura pop. Possui uma movimentação forte, enérgica e uma
postura desafiadora que vem das batalhas de rua. Por muito tempo
descriminada e entendida como marginal, o estilo se desenvolveu,
ganhou os palcos e os festivais de dança. Como uma dança que já
tem uma história, um percurso e um estilo pode se reinventar? Como
se desenvolver sem perder a sua essência?
Renato Cruz constrói um trabalho que dialoga com a dança
contemporânea. Utilizando músicas variadas, trabalha na sua
construção uma desconstrução de ritmo, forma e intenção. Pausa
para nos fazer respirar ou nos fazer pensar sobre o que vemos.
Caminha para um processo de hibridação, somando elementos da dança
contemporânea, mas ainda é um espetáculo de hip hop.
O primeiro questionamento que me surgiu é quanto a esta reinvenção.
É importante para o artista perceber as mudanças que acontecem na
sociedade e responder a essas mudanças, sem cair no modismo? Qual a
função da arte e do artista? É necessário evoluir nos
questionamentos, aprofundá-los ou repeti-los? É preciso dosar as
questões para se tornar legível e digerível? São questões para
as quais não encontro respostas.
O caminho da arte e da criação é único para cada artista e
compartilho a teoria de Jung (Psicologia Analítica) de participação
– imposição, sugestão – do inconsciente neste processo; então
entendo que as solicitações, angústias e questionamentos são
diferentes e podem ser atemporais. O alcance do Inconsciente coletivo
através dos arquétipos, podem provocar confluências de pensamento
e ação na evolução da humanidade e do produção de conhecimento,
neste caso não sendo modismo ou cópia.
As questões pessoais abordadas no texto do espetáculo, aproximam a
obra do público, pois retira a aura de divinização do artista
apresentando suas inquietações, dificuldades e dúvidas,
característica da arte pós moderna, da crise do homem moderno e de
sua subjetividade.
A cena final transborda esta questão: o texto descreve o estereótipo
da pessoa que pertence a cultura do hip hop; o tipo de cabelo,
o jeito de se vestir, a forma de andar e gesticular. O espetáculo,
no entanto, vai além do modelo e padrão, quando os bailarinos
desmontam o que os qualifica como grupo para deixar surgir os
indivíduos, tirando a roupagem que caracteriza o estilo.
No final, no palco, ficam os figurinos com sua representatividade e
os bailarinos com sua humanidade.
Boa noite, Senhores! Este foi também um espetáculo de hip
hop!
Próximas apresentações: Arena Carioca Jovelina Pérola Negra, dias 17 à 25 de março, (sábados 20:00 e domingos 19:00); Centro de Artes da Maré, dia 30 de março às 20:00, Lona Cultural Hebert Vianna, dia 31 de março às 18:00. Em cada espaço, será ministrada uma oficina gratuita de dança, todos os sábados às 16h. Para saber mais clique aqui
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