Dificil começar a nomear as impressões e sentimentos que me
ocorreram neste lugar...
Vou começar pela vida ao redor: chamou a minha atenção o lugar, as
casas do outro lado da rodovia, a mata, as montanhas e os urubus,
muitos urubus!
É um local de descarte, de depósito de resíduos, do que não serve
mais, do que foi usado e do que não tem mais utilidade. É um
depósito de vidas também! Vi poucas pessoas, olhei poucos rostos de
perto, os trabalhadores deste local pareciam também estar ali
depositados executando suas tarefas, já imersos e imunes ao contato,
ao cheiro e a visão.
A quantidade de lixo é grande, mas eu esperava mais, em se pensando
na produção diária no município de Petrópolis. O cheiro é
forte, incomoda e a quantidade de urubus é muito grande. Eles sobem
e descem fugindo de uma máquina que compacta o conteúdo depositado
naquelas milhares de sacolas coloridas, volumosas, mas não
atraentes.
O céu azul com os pontos pretos salpicados, parecem indicar um
diferencial naquele lugar, e o contraste é grande quando descemos o
olhar do céu azul para o aterro.
Acho que incomoda muito ver as pessoas que trabalham nesse lugar, que
convivem com esses restos, restos de humanidade. Talvez seja essa
visão que despertou o sentimento de “tristeza no coração”,
relatado por Ana Carolina; de “culpa” relatado por Elizandra; e
de “responsabilidade” por Ana Paula. Talvez por que somos parte
daquela produção de lixo e da produção daquelas condições.
Um caminhão com a inscrição “abençoado” me chamou a atenção,
e fiquei pensando nas possibilidades de benção naquele lugar.
No galpão da Cooperativa de Reciclagem, o ambiente é diferente. Não
existe o cheiro, as moscas, os urubus, os materiais são mais limpos;
mas não senti diferença no meu sentimento em relação as pessoas
que ali trabalhavam.
Um senhor de 85 anos que separava materiais em uma bancada com uma
camiseta escrita “Harmonia” nas costas, foi um momento de poesia
e ao mesmo tempo de dura realidade. No contraponto das idades, havia
um rapaz aparentemente em idade escolar, mas provavelmente fora da
escola. Vi outras pessoas mais velhas e refleti sobre o nosso sistema
sócio-capitalista de tantas desigualdades e interesses.
Nossa sociedade se resume a consumir: uns mais, outros menos; uns de
forma mais consciente e outros de maneira descontrolada. O que
geramos de resíduos, é o necessário, indispensável, ou poderia
ser menos? É uma reflexão que vale a pena desenvolver.
Com certeza o trabalho na Cooperativa é melhor do que nos antigos
lixões, mas será que basta apenas ser melhor?
Nossa sociedade avançou tecnologicamente em muitos pontos e não é
possível voltar atrás. Consumimos, produzimos resíduos e estes
resíduos devem ser recolhidos, manejados e reaproveitados ou
descartados, em condições de segurança e remuneração que
dignifiquem esse fazer tão duro e difícil.
A consciência precisa ser desenvolvida para podermos olhar e encarar
o mundo que construímos e vivemos. A evolução do homem e da
sociedade deve seguir seu caminho, mas de uma forma consciente,
comunitária e principalmente mantendo o chão que nos suporta.
Parafraseando Carl Sagan, o “[...] nosso pálido ponto azul”.