sábado, 29 de setembro de 2012

O Movimento sem Face de Gabriela Alcofra


 O vento leva, remexe, troca as coisas de lugar. Refresca o corpo, refresca a alma; bagunça o pensamento numa brincadeira sútil e lúdica.
Entrar no teatro e ver o vento, trouxe muitas sensações e recordações. A cortina balançando na janela levou-me para outros lugares, vieram lembranças, poéticas saudades. O tecido não parava, o pensamento também não, ou seria o sentimento? O som do ventilador ligado afirmava a sensação do vento na imaginação. O vento me fez sonhar, tirou-me o peso da gravidade do dia e colocou-me em um estado de contemplação. Cena bela que inicia o trabalho coreográfico de Gabriela Alcofra, intitulado “Movimento sem Face”.
Minha primeira reflexão foi sobre o olhar do artista, que consegue encontrar poesia nos elementos mais simples da vida; que consegue elaborar ações humanas a partir da aridez do nosso convívio social; que consegue provocar politicamente, e transformar os materiais mais diversos em uma nova significação.
As elaborações artísticas não tem uma direção clara e continua; e para cada criador abrem-se horizontes com múltiplos caminhos. Nos trabalhos autorais que tenho oportunidade de ver, percebo a fidelidade do artista às angustias que surgem no dia a dia. Perseguindo os incômodos que surgem, trilham um caminho de questionamento do ser e fazer, caminho verdadeiro e sem conforto.
Gabriela constrói uma cena leve e delicada, que se transforma com sua presença e seu movimento. Percorrendo o espaço cênico em deslocamentos variados e com diferenças de densidades, vai questionando a leveza do vento e a liberdade do corpo.


 Liberdade é uma ideia que surge ao longo das cenas – a liberdade da janela, do vento, do movimento e do corpo que vai sendo castrado, revelado e coberto. Essa dualidade de estados me fez lembrar de Cecília Meireles que diz,: “Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.” Em nossa sociedade, um sonho que se faz ilusão, palavra estéril repetida tantas vezes, que nem sempre frutifica caminhos, mas que é alimentada coreograficamente.
O corpo de Gabriela parece viver intensamente o desejo por essa liberdade entendida e perdida. Surge um questionamento do corpo, que vive sentimentos múltiplos e dialéticos. A cabeça em movimento liberado pelo espaço parece buscar respostas, mas desnorteia o corpo e o próprio caminho. O figurino vai se modificando, numa inspiração de sensualidade e realidade de castração. O sonho do início transforma-se em dura realidade, o corpo é sacudido e aprisionado, é agora um corpo sem face com as implicações dessa ausência.
Um véu surge, e traz a sensação de sufocamento. Na ação de torcer o véu, o rosto adquire contornos, revela uma existência que é física, material e simbólica. A torção do véu parece comprimir a vida em um movimento mecânico e denso. A castração surge como resultado de uma amarração poética em um novo corpo construido a partir das relações de liberdade verdadeira, vigiada e reprimida.

 
Olhando a vida, o artista faz escolhas e as vezes nessas escolhas surgem elementos da própria vida que vão embalando a obra. O artista é um eterno questionador com sua percepção e seu sentimento aflorado. Questiona a vida, a sociedade, a arte e sua produção também. Falando sobre a sua construção, Gabriela destaca uma inquietação percebida no próprio fazer da Dança Contemporânea. O rosto e sua expressão, ou a falta dela, levou-a a pensar sobre a neutralidade (seria nulidade?) que conduz os corpos, os movimentos e os conteúdos trabalhados cenicamente na nossa era contemporânea.
Longe da estrutura narrativa tradicional, a Dança Contemporânea não é esvaziada de temas e conteúdos, eles estão presentes de outra forma, talvez acompanhando a sociedade que se apresenta de forma segmentada, desconstruída ou simplesmente reformulada e repaginada.
Da observação do rosto e da expressão, o seu trabalho de pesquisa foi ampliando-se e alcançando estruturas culturais diversas da nossa vivência. O contemporâneo questionado alcançou o tradicional de uma sociedade distante, e pensando em tradição, o corpo é a nossa maior tradição.
Nosso corpo continua sendo o que era para nossos ancestrais, comunica gestos culturais que não se perderam com a ausência de nossa manifestação social e política. Ele continua contando histórias em segredo, exteriorizando sensações e emoções que as vezes ainda não irromperam na consciência.
O corpo sem face encontra uma outra forma de comunicar, potencializando partes outrora discretas. Gabriela , e seu corpo sem face, encontra movimento, encontra a poesia necesária para dar forma as angústias e as emoções, transformando a vida.



 O crédito das fotos do espetáculo são de Diana Sandes

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

"Cantinho do Senha"

Este foi escrito para o carinhosamente chamado "Cantinho do Senha"

 Pedaço

Existem pedaços de mim,
pedaços da minha vivência / experiência espalhados pela linha do tempo,
são tantos,
afinal, eu também sou muitas,
me transformo ao longo dos dias, ao longo dos anos,
ao longo do MEU tempo.
Seria possível destacar pedaços de mim como memórias?
O que surgiria daí?
?
?
?
pedaço – matéria


pedaço – sentimento
pedaço – pensamento
pedaço - sonho
pedaço – outro alguém
pedaço – eu mesma
.
.
.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A arte no mundo, a arte na vida,



 A arte é inexplicável!
Ela exige um confronto com nossa realidade mais íntima,
remexe conteúdos adormecidos, desconhecidos....
ela tráz e exige uma melhoria de nós mesmos. 

Neste encontro, do indivíduo com a obra, 
é preciso evitar mediações, disfarçes e fugas.
É preciso deixar-se penetrar, permitir-se ser afetado, 
contaminado, transformado.
Mesmo que seja confuso, estranho, doloroso...

É nesse encontro, nessa permissão,
nessa transformação,
que nos fazemos inteiros,
humanos.....