“Para Rodrigo Maia: algumas reflexões"
Imagem do segundo dia do Encontro Por onde Circulamos? |
Senti que o tema da palestra “Por onde circulamos” do Ciclo de
Encontros da Dança Carioca, acabou se encaminhando para uma
discussão do fazer em dança (social, pessoal, comunicativo,
artístico) que também tem seu valor; e pessoalmente gosto de ouvir
os artistas na reflexão sobre a sua prática.
Tenho pensado muito sobre a questão do nosso fazer contemporâneo.
Não acho que ele é qualquer coisa, e nesta reflexão discuto com
minhas proposições, com as obras que vejo, com os textos que leio
nas mais variadas áreas e sobre o que escuto do público e dos
artistas. Fico triste quando escuto algumas colocações como “[...]
muito contemporâneo demais [...]” ou “[...] fazer algo mais
digerível [...]”, mas também entendo que viver e entender a nossa
era, não é fácil.
Vivemos uma fase histórica, tecnológica, humana e artística que
não se apoia em muitas leis e regras. Não estamos sob um paradigma,
mas alguns paradigmas e talvez por isso a variedade da produção de
conhecimento pareça em alguns momentos caótica e em outros momentos
superficial e vazia. É difícil determinar os princípios e limites
quando essas fronteiras se tornam permeáveis e não conseguimos
manter a pureza de nossas propostas.
O primeiro ponto que assumo na minha forma de viver e de construir o
meu fazer artístico, e que penso ser o reflexo de nossa época, é o
pensamento transdisciplinar.
A Carta de Transdisciplinaridade adotada no Primeiro Congresso
Mundial da Transdisciplinaridade, em Convento de Arrábida, Portugal
, em novembro de 1994; propõe três pontos chaves: rigor, abertura e
tolerância.
O rigor consiste no conhecimento profundo e crítico do que se faz,
não é superficial e não é qualquer coisa. A abertura permite a
flexibilidade na leitura do mundo e das propostas, visualizando novas
formas de se construir o conhecimento e sem a fixação dos limites
de cada área. Por fim, a tolerância tráz respeito a visão e
produção do outro, mesmo que esta produção não me afete e não
responda aos meus questionamentos. A verdade assume um carater
diverso.
Mas por que falei disto tudo?
Para justificar meu olhar sobre a produção contemporânea em dança
que é tão diversa quanto a nossa época, e bastante criticada por
pessoas que não percebem esta abertura e nem possuem esta
tolerância. Tolerância e abertura que gerou a diversidade dos
Festivais, Projetos e Eventos de dança, foco do encontro “Por onde
circulamos?”
Dois eventos foram representados e citados: Projeto Fronteiras e o
Entrando na Dança (que faz parte do Festival Panorama), diferentes
em sua essência, mas únicos na proposta de divulgação de uma arte
vivida pesquisada e experimentada.
Rodrigo Maia coordenador do Projeto Fronteiras citou quatro elementos
importantes do projeto: vínculo, continuidade, potencialização e
desdobramento.
O Fronteiras se desenvolve em cidades diferentes aproveitando a
diversidade das cidades e culturas e levando propostas artísticas
com objetivos diferenciados. O formato do projeto permite que se
estabeleça vínculos entre os artistas envolvidos numa troca
generosa. Os artistas dividem casas disponibilizadas para as
estadias, as refeições, momentos de conversa, confraternização,
sono e momentos de reflexão.
A continuidade do projeto em cidades/países diferentes divulga um
fazer da arte que pode ser oferecida às comunidades locais de
diversas formas. Espetáculos nas ruas ou espaços alternativos,
oficinas em escolas, presídios e outros lugares numa democratização
do conhecimento e troca de experiências que se torna uma atitude
política. Essas ações potencializam o artista, pois ampliam a sua
experiência (voltando ao trio transdisciplinar, rigor, abertura
tolerância) e consequentemente sua atuação
no mundo, provocando desdobramentos em novos caminhos
artísticos.
Carla Strachmann responsável pelo Entrando na Dança falou da
promoção do acesso dos produtos artísticos para um público que
não seja específico de dança, levando espetáculos à lonas
culturais e bairros distantes dos centros de promoção e divulgação
artística.
Muito da conversa da noite tendeu para um caráter social ou não da
produção artística e não acredito nessa “fôrma”. A arte é o
que é, ela pode alcançar o social pela abordagem política de temas
e situações; pela reflexão que pode provocar, mas não acredito
que um trabalho que se desenvolva já querendo se moldar ao social
realize plenamente este papel.
Não é preciso pertencer ao meio artístico para que se goste de
Arte, de Dança, de Dança Contemporânea, ou para que se sinta
tocado por uma obra. A obra precisa comunicar, precisa estabelecer um
canal de troca com o público, e esse canal nem sempre é fácil de
se descobrir e acessar.
Denise Stutz, que também fazia parte da mesa de debates, falou sobre
a comunicação com o público, da intenção desse foco em seu
trabalho e das experiências que viveu e tem vivido com seus
espetáculos. Em suas palavras “[...] circular em direção ao
outro [...]”.
Muitas das vezes a abertura e a tolerância não praticada no dia-a
dia, é parte do indivíduo que não vê a obra dentro da sua
construção de mundo e de verdade. É preciso então rever a
humanidade, perceber as colocações e críticas que se fazem e
tentar flexibilizar os conceitos para que se alcançe uma maior
amplitude artística e da própria vida. Talvez seja uma tarefa para
se começar nas escolas, em uma educação que vá além da 'educação
para a arte', para se tornar 'educação para a vida'.
Tomando-me como exemplo, que estudo, pesquiso e crio dentro do que se
chama Dança Contemporânea; já tive oportunidade de assistir
trabalhos que às vezes não me comunicam e nem me afetam. Mas tento
exercer minha abertura e tolerância no respeito à obra construída.
Seguindo o pensamento, e a generosidade, de Jung, percebo que as
inquietações do outro nem sempre são as minhas; as soluções do
outro também não necessariamente são as minhas, mas são parte da
nossa era, da nossa produção contemporânea de pensar, produzir,
sentir e dançar …..
Para finalizar gostaria de citar uma série de programas realizado pelo Instituto Itaú Cultural do Brasil com consultoria de Jorge Coli, Professor de História da Arte e Cultura da UNICAMP,
intitulado Obra Revelada. A proposta do programa é convidar pessoas
que não tem formação específica em Artes Visuais, para falar sobre uma
obra de que gostam. É tocante o depoimento de Adilson de Souza,
funcionário da Pinacoteca do Estado de São Paulo em sua fala sobre
uma obra do acervo permanente: “Ventania” de Antônio Parreira.
Embora não seja catalogada como Arte Contemporânea, é um exemplo
de como a Arte pode tocar, comunicar, afetar e alterar a vida; com
rigor, abertura e tolerância.
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