quinta-feira, 26 de abril de 2012

Para Rodrigo Maia: algumas reflexões


                                  “Para Rodrigo Maia: algumas reflexões"
 
Imagem do  segundo dia do Encontro Por onde Circulamos?

Senti que o tema da palestra “Por onde circulamos” do Ciclo de Encontros da Dança Carioca, acabou se encaminhando para uma discussão do fazer em dança (social, pessoal, comunicativo, artístico) que também tem seu valor; e pessoalmente gosto de ouvir os artistas na reflexão sobre a sua prática.
Tenho pensado muito sobre a questão do nosso fazer contemporâneo. Não acho que ele é qualquer coisa, e nesta reflexão discuto com minhas proposições, com as obras que vejo, com os textos que leio nas mais variadas áreas e sobre o que escuto do público e dos artistas. Fico triste quando escuto algumas colocações como “[...] muito contemporâneo demais [...]” ou “[...] fazer algo mais digerível [...]”, mas também entendo que viver e entender a nossa era, não é fácil.
Vivemos uma fase histórica, tecnológica, humana e artística que não se apoia em muitas leis e regras. Não estamos sob um paradigma, mas alguns paradigmas e talvez por isso a variedade da produção de conhecimento pareça em alguns momentos caótica e em outros momentos superficial e vazia. É difícil determinar os princípios e limites quando essas fronteiras se tornam permeáveis e não conseguimos manter a pureza de nossas propostas.
O primeiro ponto que assumo na minha forma de viver e de construir o meu fazer artístico, e que penso ser o reflexo de nossa época, é o pensamento transdisciplinar.
A Carta de Transdisciplinaridade adotada no Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, em Convento de Arrábida, Portugal , em novembro de 1994; propõe três pontos chaves: rigor, abertura e tolerância.
O rigor consiste no conhecimento profundo e crítico do que se faz, não é superficial e não é qualquer coisa. A abertura permite a flexibilidade na leitura do mundo e das propostas, visualizando novas formas de se construir o conhecimento e sem a fixação dos limites de cada área. Por fim, a tolerância tráz respeito a visão e produção do outro, mesmo que esta produção não me afete e não responda aos meus questionamentos. A verdade assume um carater diverso.
Mas por que falei disto tudo?
Para justificar meu olhar sobre a produção contemporânea em dança que é tão diversa quanto a nossa época, e bastante criticada por pessoas que não percebem esta abertura e nem possuem esta tolerância. Tolerância e abertura que gerou a diversidade dos Festivais, Projetos e Eventos de dança, foco do encontro “Por onde circulamos?”
Dois eventos foram representados e citados: Projeto Fronteiras e o Entrando na Dança (que faz parte do Festival Panorama), diferentes em sua essência, mas únicos na proposta de divulgação de uma arte vivida pesquisada e experimentada.
Rodrigo Maia coordenador do Projeto Fronteiras citou quatro elementos importantes do projeto: vínculo, continuidade, potencialização e desdobramento.
O Fronteiras se desenvolve em cidades diferentes aproveitando a diversidade das cidades e culturas e levando propostas artísticas com objetivos diferenciados. O formato do projeto permite que se estabeleça vínculos entre os artistas envolvidos numa troca generosa. Os artistas dividem casas disponibilizadas para as estadias, as refeições, momentos de conversa, confraternização, sono e momentos de reflexão.
A continuidade do projeto em cidades/países diferentes divulga um fazer da arte que pode ser oferecida às comunidades locais de diversas formas. Espetáculos nas ruas ou espaços alternativos, oficinas em escolas, presídios e outros lugares numa democratização do conhecimento e troca de experiências que se torna uma atitude política. Essas ações potencializam o artista, pois ampliam a sua experiência (voltando ao trio transdisciplinar, rigor, abertura tolerância) e consequentemente sua atuação no mundo, provocando desdobramentos em novos caminhos artísticos.
Carla Strachmann responsável pelo Entrando na Dança falou da promoção do acesso dos produtos artísticos para um público que não seja específico de dança, levando espetáculos à lonas culturais e bairros distantes dos centros de promoção e divulgação artística.
Muito da conversa da noite tendeu para um caráter social ou não da produção artística e não acredito nessa “fôrma”. A arte é o que é, ela pode alcançar o social pela abordagem política de temas e situações; pela reflexão que pode provocar, mas não acredito que um trabalho que se desenvolva já querendo se moldar ao social realize plenamente este papel.
Não é preciso pertencer ao meio artístico para que se goste de Arte, de Dança, de Dança Contemporânea, ou para que se sinta tocado por uma obra. A obra precisa comunicar, precisa estabelecer um canal de troca com o público, e esse canal nem sempre é fácil de se descobrir e acessar.
Denise Stutz, que também fazia parte da mesa de debates, falou sobre a comunicação com o público, da intenção desse foco em seu trabalho e das experiências que viveu e tem vivido com seus espetáculos. Em suas palavras “[...] circular em direção ao outro [...]”.
Muitas das vezes a abertura e a tolerância não praticada no dia-a dia, é parte do indivíduo que não vê a obra dentro da sua construção de mundo e de verdade. É preciso então rever a humanidade, perceber as colocações e críticas que se fazem e tentar flexibilizar os conceitos para que se alcançe uma maior amplitude artística e da própria vida. Talvez seja uma tarefa para se começar nas escolas, em uma educação que vá além da 'educação para a arte', para se tornar 'educação para a vida'.
Tomando-me como exemplo, que estudo, pesquiso e crio dentro do que se chama Dança Contemporânea; já tive oportunidade de assistir trabalhos que às vezes não me comunicam e nem me afetam. Mas tento exercer minha abertura e tolerância no respeito à obra construída. Seguindo o pensamento, e a generosidade, de Jung, percebo que as inquietações do outro nem sempre são as minhas; as soluções do outro também não necessariamente são as minhas, mas são parte da nossa era, da nossa produção contemporânea de pensar, produzir, sentir e dançar …..
Para finalizar gostaria de citar uma série de programas realizado pelo Instituto Itaú Cultural do Brasil com consultoria de Jorge Coli, Professor de História da Arte e Cultura da UNICAMP, intitulado Obra Revelada. A proposta do programa é convidar pessoas que não tem formação específica em Artes Visuais, para falar sobre uma obra de que gostam. É tocante o depoimento de Adilson de Souza, funcionário da Pinacoteca do Estado de São Paulo em sua fala sobre uma obra do acervo permanente: “Ventania” de Antônio Parreira. Embora não seja catalogada como Arte Contemporânea, é um exemplo de como a Arte pode tocar, comunicar, afetar e alterar a vida; com rigor, abertura e tolerância.
Para assistir ao vídeo Clique aqui

Grupo de Pesquisas em Artes Corporais

Grupo de Pesquisas em Artes Corporais
Já com um ano de existências o GPAC desenvolve pesquisas sobre o fazer na Dança norteando pesquisas em várias áreas. Coordenado pela Profa. Dra, Maria Inês Galvão Souza e pela Profa Ms. Isabela Buarque, o grupo tem reuniões mensais nas salas do Departamento de Dança da UFRJ. Um link interessante para ler e pesquisar a produção em dança.
Para acessar o GPAC Clique aqui

"Em 2010, intentando ampliar o entendimento sobre as artes do corpo, integrando pesquisadores de diferentes instituições de ensino e campos do saber, criando uma ambiência própria para as discussões sobre o corpo humano e suas possibilidades de produção enquanto escritura cênica e/ou cultural, um coletivo de dançarinos, atores, professores e pesquisadores de diferentes instituições acadêmicas, formaram o Grupo de Pesquisa das Artes do Corpo, o GPAC.
O GPAC, Grupo de Pesquisa das Artes do Corpo, busca interfaces entre o corpo e as produções artísticas." 




quarta-feira, 25 de abril de 2012

Cia Híbrida - "estéreos - tipos"


Algumas imagens do espetáculo "estéreos - tipos" da Cia Híbrida que tem circulado por alguns espaços do Rio de Janeiro. Para quem não leu há uma postagem (de março) sobre este espetáculo com o título "Boa noite Senhores! Isto é um espetáculo de hip hop"  As fotos são de Rodrigo Buas.
Na foto de grupo estão:  Aline Corrêa, Cleiton Gonçalves, Natan Rodrigues, Yuri de Moraes, Rodrigo Costa, Renato Cruz, Michelle Sciviero, Marlon Lopes.
Completando a ficha técnica do espetáculo:
Direção Artística: Renato Cruz
Assistente de direção: Aline Teixeira
Iluminação: Gil Santos


Renato Cruz






Rodrigo de Melo e Aline Côrrea


Rodrigo de Melo e Yuri de Moraes


Ciclo de Encontros


Ciclo de Encontros – A Dança Carioca
Cadeias Produtivas da Dança
Dentre as atividades que movimentaram o Centro Coreográfico do Rio de Janeiro neste início de ano, um ciclo de palestras propôs discutir questões que fazem parte da cadeia produtiva da dança. Com a curadoria de Flávia Meireles, o ciclo se estruturou a partir de questões que movem o fazer artístico na dança: Como fazemos?, Como nos profissionalizamos?, Como nos mobilizamos?, Como chegamos ao público?
Cada encontro contou com participantes que compunham um painel variado no cenário da dança carioca. Este foi um ponto importante do ciclo, pois permitiu aos ouvintes passear por outras áreas, estilos, e perceber as mesmas dificuldades. A variedades das mesas, trouxe uma democratização das falas, dos saberes e um enriquecimento dos discursos. O ciclo pôde ser documentado por um relato crítico, construido a cada dia por um relator diferente, responsável por sinalizar os acontecimentos e as discussões da noite.
Na segunda noite, o tema provocador foi “Por onde circulamos?” debatido por Rodrigo Maia (Projeto Fronteiras), Carla Strachmann (Entrando na Dança), Denise Stutz (com um percurso por vários festivais), Dyone Boy (Jongo da Serrinha) que fez a mediação da mesa, e André Bern responsável pela relatoria crítica.
Questionada por Rodrigo Maia, do tanto que escrevia durante o debate, fui rever minhas anotações. Ao elaborar algumas reflexões daquela noite, outras tantas me vieram a luz do dia, e assim surgiu um texto, resultado do que ouvi, senti, pensei e movi para o papel. O título é uma referência ao meu indagador e motivador destas palavras/inquietações.
 “Para Rodrigo Maia: algumas reflexões.”

Imagem da Mesa Debatedora do primeiro dia do Encontro
 

Para saber mais sobre o Ciclo e ler os relatos críticos já publicados, segue abaixo a lista dos encontros com os links.
1- Como Fazemos?
Dia 26 de janeiro
Mediação: Micheline Torres
Convidados: Frederico Paredes, Isnard Nanso e Regina Levy
Relatoria Crítica: Cláudia Canarim


2- Por onde Circulamos?
Dia 09 de fevereiro
Mediação: Dyonne Boy
Convidados: Rodrigo Maia, Carla Strachmann e Denise Stutz.
Relatoria Crítica: André Bern

3- Como Chegamos ao Público?
Dia 08 de março
Mediação: Nayse Lopes
Convidados: Cláudia Müller, Jaime Arôxa e Patrick Sampaio.
Relatoria Crítico: Túlio Rosa

4- Como nos Formamos?
Dia: 22 de março
Mediação: Joana Ribeiro
Convidados: Ângela Ferreira, Hélia Borges e Mestre Dionísio
Relatoria Crítica: Aline Bernardi

5- Como nos profissionalizamos?
Dia: 05 de abril
Mediação: Gustavo Ciríaco
Convidados:.Denise Acquarone, João Saldanha
Relator Crítico: Rodrigo Bernardi
Link para relato crítico 


6- Como nos mobilizamos?
Dia 19 de abril
Mediação: Flávia Meireles
Convidados: Rosa Coimbra, Diana de Rose e Dani Amorim
Relatora Crítica:Victor Costa
Link para relato crítico 

Ser objeto e também sujeito

Acrescentando ao texto anterior algumas fotografias tiradas por Maurício Maia na noite do Conexões Criativas.


Giselda Fernandes e Rick Seabra
Maria Luisa Cavalcante, André Araújo, Clarissa Braga e Carolina Dworschak















Conversa com o público após a apresentação no Conexões Criativas


sexta-feira, 13 de abril de 2012


Ser objeto e também sujeito
Sempre me maravilho ao ouvir e presenciar um processo em criação. É um momento onde é possível compartilhar universos em ebulição; perceber as dúvidas como possibilidades de caminhos; é ver obras em processo de gestação. Nessa escuta é possível vislumbrar a busca do artista em sua tentativa de reconhecer e entender sua ação artística, sua ação humana e as incursões do seu inconsciente.
A obra de arte, na maioria das vezes, surge a partir de uma inquietação, algo que persiste, metaforicamente, prende o olhar numa atitude magnética desdobrando o objeto interessado, a intenção ou a inspiração por horas, dias e tempos. Para o artista é uma 'busca sincera', é uma perseguição que às vezes não acaba nunca. Vi essa perseguição na respiração de Giselda Fernandes, na apresentação do seu processo, no discurso do seu fazer, na enumeração dos objetos que viram material de pesquisa, viram objeto-partner, viram corpo-objeto e objeto-corpo.
Giselda Fernandes, é coreógrafa, bailarina, professora, produtora e juntamente com Hilton Berredo, dirige o trabalho da “Os Dois Companhia de Dança”. A companhia tem como característica a união das artes visuais com a dança utilizando como elemento de comunicação entre as duas áreas artísticas, objetos cotidianos. A pesquisa com objetos traça um caminho de parceria, ou partner segundo conceito desenvolvido por Giselda, parceiros da ação, do movimento e do momento artístico. Partner na dança é o outro que está inteiramente comigo. Ele é a individualidade que divide a cena, os movimentos, o suor, e os imprevistos; que dá apoio, dá segurança e complementa a forma numa cumplicidade onde o duplo se torna um.
Quando conheci Giselda e entrei em contato com o seu conceito “objeto-partner”, achei o termo poético pela ressignificação do objeto, que deixa de ser simplesmente um elemento cênico para se tornar sujeito do trabalho artístico.
Explorando materiais diversos, Giselda já trabalhou com bancos, garrafões de água mineral, sacolas plásticas, vassouras e agora em um novo momento de sua pesquisa, constrói uma relação que extrapola no corpo como objeto; como objeto presente no corpo, mas materialmente ausente. Ainda existe o banco, ainda existe o garrafão, mas as propostas e intervenções se aprofundam deixando à vista a inquietação ainda presente e que busca novas formas de questionar o corpo-objeto-corpo.
Em cena estão os bancos e os garrafões. Os bailarinos executam ações que podem se relacionar aos objetos. Sentam no chão, sentam no outro, tem sua ação de sentar transformada por outro corpo, tornando-se objeto. Em outro momento mudam de papel e manipulam o outro, num jogo que se desenvolve pelo espaço cênico. Os bailarinos em um momento executam ações de manipular o outro (feito objeto), e no momento seguinte são manipulados (tornado objeto). As ações de sentar e se equilibrar que existiam na pesquisa inicial com os objetos cotidianos, são realizadas agora nos corpos. A ação se deslocou da relação com o objeto para um sujeito, que não transparece emoção ou sensação nas várias situações que experimenta e vive no seu corpo (dominador e dominado). Mesmo com a ausência da emoção visível dos bailarinos, pude construir textos e histórias para aquelas ações que se desenrolavam. Penso que Giselda insiste na nulidade do sentimento dos bailarinos para que não se construa uma dramaticidade pessoal; mas essa dramaticidade existe na presença viva do bailarino, e é passada ao objeto. Cria-se um novo corpo, corpo-objeto e isso implica um novo ser, não há a ausência do sujeito, mas sim um acréscimo na sua existência.
O movimento tem a capacidade de revolver o fundo de nossas almas; como o rio que também revolve a areia depositada no seu fundo. Acredito ser um exercício intenso ser revolvido pela ação artística e suprimir a humanidade que normalmente explodiria pelos poros, pelo olhar e pela respiração. Lembro nesse momento da Performer sérvia Marina Abramovic que em alguns de seus trabalhos sustenta a ação muitas vezes sem deixar transparecer uma emoção, uma intenção, que acredito existir na água que se mistura a areia. Como fica o sujeito - individuo nessa ação? Ele pretende tornar-se objeto?
Na cena final do trabalho apresentado por Giselda, um bailarino exerce uma intensa (mas poética) ação com dois bancos. O esforço visível do seu corpo na construção da relação com o objeto, parece um flerte com um novo corpo e toda a construção de uma nova relação, com imposições e cessões.
A relação foi construída, a humanidade preservada e o abandono do corpo no final, parece glorificar o conceito de partner.
Sinto transformações no caminho criativo de Giselda. Se antes ela dialogava com o objeto que impunha limitações e desafios em sua materialidade; agora percebo uma transferência para o sujeito que se permite viver como objeto com todas as suas características.
Que a inquietação continue gerando ressonâncias.